Ou você morre herói ou vive o bastante para ver você mesmo se tornar o vilão. A passagem é uma das várias contidas no roteiro de Batman – O Cavaleiro das Trevas (2008). O traço ideológico é, como podemos ver, uma linha base em que o segundo filme da trilogia dirigida por Cristopher Nolan ateve-se e que por essa mesma razão, tão brilhantemente representou um novo modelo de produção de longas adaptados de histórias em quadrinhos (HQs) de super-heróis neste século.
No longa, lançado a exatamente nove anos em 18 de julho de 2008, Batman (Christian Bale) se une ao Promotor Harvey Dent (Aaron Eckhart) e do tenente Jim Gordon (Gary Oldman) na árdua tarefa de varrer o crime de Gotham City. Entretanto, quando Coringa (Heath Ledger), um vilão que ascende no mundo do crime inunda a cidade numa onda de anarquia, tanto seus aliados quanto o próprio cavaleiro das trevas são levados a decidir se cruzam ou não a linha que dividem seus ideais de justiça.
Pela sinopse dada, temos a ideia de que o quinto trabalho dirigido por Nolan elevou não apenas seu trabalho a um nível ainda não explorado, mas também realocou uma série de códigos constitutivos nos filmes de ação até então. Mas que índices são esses? E como eles se manifestam na obra em questão? Um primeiro ponto que poderíamos destacar refere-se à obra vista, pensada e executada sob conceitos bastantes definidos. O longa adapta HQs, mas a linguagem cinematográfica em nenhum momento é negligenciada por isso.
Falamos inicialmente de um trabalho conceitual desenvolvido em toda sua extensão sob a ideia de uma tríade quase indissociável. na grande parte das sequências descritas no filme vemos sempre uma construção em paralelo de três ações que se desenrolam simultaneamente. É assim quando acompanhamos cada um dos capítulos onde o Coringa executa seus atentados, por exemplo.
É o vilão maquinando seu plano, o Herói correndo para detê-lo e a justiça da cidade buscando neutralizá-lo ao mesmo tempo. E por meio de uma série de trincas dramatúrgicas o filme se constitui como um brilhante exercício de montagem alinhada a uma teia conceitual onde o gênero se pensa para além dos códigos já constituídos.
E tocarmos no conceito é importante porque essa é também a formulação de cada um desses personagens. Batman é caractere que age na margem da lei. Dent é o raio de esperança que Gotham não vê em anos e Coringa é o agente do caos declarado. E a propósito disso, é na representação desse vilão tão brilhantemente esquadrinhado que o longa se lança como uma das obras mais sólidas criadas nesse século.
O personagem encarnado por Ledger elevou a representação do vilão a um nível até então pouco percebido nas estórias que adaptam HQs de super- heróis. E nisso é que O Cavaleiro das Trevas atualiza os longas produzidos nesse século. A construção desse caractere foge da lógica clichê do antagonista motivado por algo, na maior parte da gramática cinematográfica, ligado ao poder.
E aqui, Nolan e Ledger dotam um Coringa que rompe esse nível numa representação mais aprofundada de um caractere que representa e apresenta abordagens dramáticas alternativas do filme de gênero. Diferentemente do Coringa de Jack Nicholson, Ledger incorpora elementos como o psicologismo, a moralidade e a anarquia.
Essas são formas que somam camadas valiosas ao longa em sua proposta mais naturalista de ser. Que incorpora dados do gênero ação com as variações tonais do cinema de aventura característico dos longas adaptados de HQs. Em Cavaleiro das Trevas há referências de revistas como A Piada Mortal combinadas a tramas de clássicos cinematográficos como Buillt (1968) ou Serpico (1973). Ele reúne obras referenciais de mídias distintas no provimento de um trabalho seminal da primeira década deste século.
Falar isso é importante para pensarmos em termos de técnica. De um cinema que se pensa como um todo. Da trilha original composta por Hanz Zimmer, onde cada tema diz respeito a um trecho da estória ali contada e da mesma forma a conduzida milimetricamente. Ao esforço da captação, em termos de se obter sempre o melhor take, independente do quão difícil possa ser a construção de uma cena, nesses caso. E na intenção do ato artístico que se estende a obras adaptadas de HQs porque, sim, essas são obras que possuem sua complexidade e compromisso com um fazer que não se subjuga ao olhar autoritário que olha para a experiência cinematográfica como um conjunto de castas postas por seu valor.
E os reflexos dessa gramática experimentada por Cavaleiro das Trevas ressoou em uma série de trabalhos que vieram a posteriori. Como vemos em longas como “007 – Operação Skyfall” (2013), onde a construção rítmica e de personagens lembram demais os tipos que Nolan e David. S. Goyer estruturaram o segundo filme desta trilogia do Homem-Morcego.
Em 2008, portanto, a DC lançava um filme autoral, pelas marcas que Nolan imprimiu à obra. E inscreveu um importantíssimo capítulo na linha do tempo dos longas adaptados das mitologias dos super-heróis. Contextualmente falando, esse foi também um ano em que a Marvel Studios lançava outra obra que alteraria o paradigma da produção cinematográfica das adaptações de gênero ao iniciar seu exitoso projeto da criação do que chamou-se Marvel Cinematographic Universe (MCU), em português: Universo Cinematográfico Marvel*. Em suma, falamos da representatividade constitutiva no seminal “Homem de Ferro” (2008).
*O Universo Cinematográfico Marvel (MCU) diz respeito às três fases que compõem o conjunto de obras que seguem até novembro de 2020 e que teve início com Homem de Ferro (2008) dirigido por Jon Favreau.
FICHA TÉCNICA
Título Original: The Dark Knight
Tempo de Duração: 152 minutos
Ano de Lançamento (EUA): 2008
Gênero: Ação, Crime, Drama
Direção: Cristopher Nolan