Fui testemunha “ocular” dos feitos militares de 1964— de Paris.
Acotovelei-me aos estudantes brasileiros que foram ao aeroporto de Orly para ouvir Carlos Lacerda sobre os eventos de 31 de março.
Naquele grupo éramos, todos, auto-exilados assumidos, embora distantes do teatro de operações no qual se representava mais um lance patriótico de uma República nascida em meio a um golpe militar, sem armas, condenada a viver entre pronunciamentos da caserna e decisões da judicatura dos egrégios pretórios.
Lacerda, comissionado pelo governo da Revolução, vinha explicar à Europa e aos franceses as razões do episódio que alguns chamavam de “golpe”.
As ditaduras, é fato notório, não aceitam serem confundidas com…ditaduras. Todo ditador ou junta governativa traz consigo um séquito de juristas, bem aprovisionados de ideias, e alguns palpites de ocasião para a produção de uma Constituição.
Pois ali estava Lacerda para explicar, mal desembarcado em Orly, porque a derrubada de um presidente, no Brasil, apesar de parecer um golpe de Estado, golpe não era à semelhança do que os filhos da Lutetia designam inapropriadamente como “coût d’ ‘Etat”.
Com a mesma missão, o Conselho revolucionário despachara Ademar de Barros, ex-governador de São Paulo, para explicar aos americanos porque aquele golpe não era, de fato, um golpe.
Ia, assim, a entrevista se alongando quando um repórter do Le Monde indaga a Lacerda se não houvera derramamento de sangue, como sói acontecer nas revoluções e nas guerras.
Percebendo a malícia da pergunta, responde o entrevistado:
“As revoluções são, no Brasil, como as noites de núpcias na França: nunca há derramamento de sangue sobre os lençóis.…”