AS REVOLUÇÕES E O DERRAMAMENTO DE SANGUE SOBRE OS LENÇÓIS NAS NOITES DE NÚPCIAS

Fui testemunha “ocular” dos feitos militares de 1964— de Paris.

Acotovelei-me aos estudantes brasileiros que foram ao aeroporto de Orly para ouvir Carlos Lacerda sobre os eventos de 31 de março.

Naquele grupo éramos, todos, auto-exilados assumidos, embora distantes do teatro de operações no qual se representava mais um lance patriótico de uma República nascida em meio a um golpe militar, sem armas, condenada a viver entre pronunciamentos da caserna e decisões da judicatura dos egrégios pretórios.

Lacerda, comissionado pelo governo da Revolução, vinha explicar à Europa e aos franceses as razões do episódio que alguns chamavam de “golpe”.

As ditaduras, é fato notório, não aceitam serem confundidas com…ditaduras. Todo ditador ou junta governativa traz consigo um séquito de juristas, bem aprovisionados de ideias, e alguns palpites de ocasião para a produção de uma Constituição.

Pois ali estava Lacerda para explicar, mal desembarcado em Orly, porque a derrubada de um presidente, no Brasil, apesar de parecer um golpe de Estado, golpe não era à semelhança do que os filhos da Lutetia designam inapropriadamente como “coût d’ ‘Etat”.

Com a mesma missão, o Conselho revolucionário despachara Ademar de Barros, ex-governador de São Paulo, para explicar aos americanos porque aquele golpe não era, de fato, um golpe.

Ia, assim, a entrevista se alongando quando um repórter do Le Monde indaga a Lacerda se não houvera derramamento de sangue, como sói acontecer nas revoluções e nas guerras.

Percebendo a malícia da pergunta, responde o entrevistado:

“As revoluções são, no Brasil, como as noites de núpcias na França: nunca há derramamento de sangue sobre os lençóis.…”

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.