Maduro não tem exército, nem precisa de um. Transformou o que existia em uma gendarmeria, fundou um nova hermenêutica, carimbou juízes e deu-lhes o controle das penas da condenação.
A receita da tomada do poder do Estado, nestes novos tempos pós-modernos, não se prepara com retaliações físicas que trazem invariavelmente aos litigantes enorme e indesejável risco de vida.
Em troca destes artefatos fora de uso, recorre-se a insurreições asseadas, trabalhadas sobre paradoxos e delicadas questões identitárias, destas que arrancam incontrolável orgulho de gênero das criaturas em estado de perplexidade, engenhosamente construída.
Dessa complexa diversidade cultural decorre um “mix” de confrontação carregado de valores e aspirações, mais poderoso do que as armas de fogo e os mísseis de longo alcance.
Hanna Arendt distinguia partidos de massa de partidos de classe e mostrou quão diferentes eram as suas estratégias de luta e a sua clientela, alvo da sua ação militante.
A esquerda, tanto quanto a direita optaram, induzidas por uma estratégia bem aconselhada, em favor do abandono de uma tese desconsiderada pelas novas táticas de conquista — a luta de classes — para trabalhar sobre largos contingentes de massa, carecidos de inspiração política ou de qualquer informação ideológica para dispensar-lhe tratamento adequado. E despertar a sua atenção, o seu rancor e o seu ódio contra a autoridade e o poder do Estado, posto impropriamente em mãos indevidas. E voltar-se contra os que detêm a responsabilidade por tudo que lhes é negado: oportunidade, conforto, alimentação, distinção e respeito.
A conquista do poder virá naturalmente pelas vias de um regime político, de amplo espectro “democrático”, pelos mecanismos de um sistema eleitoral construído para contar votos, não para avaliar a consciência política dos cidadãos.
Aparentemente, salvo melhor juízo, é o que estamos a assistir com o bolivarianismo, irmão siamês de todos os “ismos”, criados pelas encontas dos Andes ou à sua sombra.
Robert Dahl em um breviário clássico sobre a democracia — “On democracy”
—  anuncia que novos desafios surgirão em decorrência da “complexidade da ordem econômica, da internacionalização, da diversidade cultural e da dificuldade de ser alcançado um bom nível de competência do cidadão”.
Esta é a munição de uma batalha dialética, persistente, coalhada de metáforas bem cultivadas e utopias arcaizantes — sem dores nem mortes, feita de ardis e convincentes propósitos impositivamente compartilhados.
imagem Hannah Arendt – Getty image