Mais Brasil e menos Brasília”.
Paulo Guedes, em 2018.
Durante a campanha de 2018 escrevi um debate hipotético entre o pensamento da esquerda mais consequente e o do economista liberal Paulo Guedes, então anunciado Ministro da Economia do candidato Boçalnaro, o ignaro, tendo como base uma entrevista dada pelo primeiro à hoje Deputada Federal Joice Hasselmann.
O projeto do Paulo Guedes era a quinta essência do liberalismo clássico que não dá mais certo nem nos países que outrora detiveram hegemonia econômica mundial cujo capital está transmutando seus meios de produção de mercadorias para outras paragens graças à dinâmica do capital em busca de sobrevida com trabalho abstrato mais barato face à brutal guerra da concorrência de mercado (tendência prevista por Karl Marx, há cerca de 160 anos).
As duas personagens que ocupavam o cenário político-eleitoral de então com muito protagonismo, hoje, perderam este status.
O Ministro se restringe a engolir em silencio, e por mero apego ao cargo, a contradita governamental a todas as suas teses antes defendidas, e a jornalista foi defenestrada pelo clã bolsonarista que não aceita concorrência político-administrativa (foram muitos os correligionários de primeira hora que tiveram o mesmo destino, como Gustavo Bebianno, o advogado ultradireitista sendo o exemplo mais eloquente, e com o próprio vice-presidente General Hamilton Mourão, absolutamente ignorado).
Sem querer reproduzir as teses ali defendidas, quero me fixar na contradição que já na origem representava o nacionalismo militarista histórico do então candidato em relação ao pensamento liberal clássico de Paulo Guedes, dos Chicago-boys de Milton Friedman, expresso nas teses do laissez fair, laissez passer, le monde va de lui’même, do republicanismo burguês originário da transição do escravismo feudal para o escravismo capitalista.
O candidato de então, Jair Messias Bolsonaro, tinha currículo e biografia escrita (como disse certa vez Jânio Quadros, já no ocaso da sua histriônica e falaciosa vida política), que correspondia ao corolário tradicional da doutrina militar (sendo ele um mau militar, como disse o ex-presidente General Ernesto Geisel).
Os militares são estatizantes capitalistas (os governos militares de 1964/1985 estatizaram mais do que pretendia o governo Jango Goulart);
– intervencionistas na condução política do Estado por serem autoritários a ponto de eclipsarem as instituições republicanas do estado democrático burguês;
– conservadores nos costumes;
– e defensores de uma disciplina rígida na base de que ordens não se discutem, cumprem-se (como diria sem pestanejar o General da logística emperrada da vacina Eduardo Pazuello).
Ora, como conciliar tal comportamento militar com o pensamento ultraliberal do Ministro Paulo Guedes, antes considerado como Posto Ipiranga por ter solução capitalista para tudo, e, por exemplo, sendo defensor do ajuste fiscal do orçamento, terminar tendo que engolir a mais descarada política de distribuição eleitoral de dinheiro já havida na história republicana???
tem que vender essa porra logo”. Paulo Guedes referindo-se ao Banco do Brasil na fatídica reunião ministerial de 22 de abril de 2020.
Se nós combatíamos a política liberal clássica do então assessor Paulo Guedes, por entendermos que o tempo histórico da capitalismo liberal havia passado em face de dialética do movimento social e das contradições dos fundamentos capitalistas haverem se exacerbado (o limite interno da expansão capitalista e consequências adicionais do limite externo representado pelo aquecimento global), com muito mais ênfase podemos fazer a crítica da política estatizante e ditatorial de compadrio empresarial do governo do Boçalnaro, o ignaro.
O Brasil não merecia e não merece um presidente do quilate do Boçalnaro, o ignaro.
Tal como Hitler, ele tem origem militar de baixa patente (de tenente insubordinado chegou a capitão pelas regras promocionais do exército após sua exclusão dos quadros militares);
– é nacionalista tal qual o acima ao Fürer de triste memória genocida;
– quer colocar o poder judiciário aos seus pés, igualzinho ao que fez o seu similar nazista do século passado;
– é adorado por empresários golpistas, como aconteceu na Alemanha dos anos 30 do século passado;
– é racista como aquele que matou 6 milhões de judeus pelo simples fato de pertencerem à etnia judaica (aqui ele coloca um negro racista para comandar instituição destina à preservação histórica da memória da luta contra a escravatura e promoção da igualdade racial);
– é machista e misógino no tratamento das mulheres, e o faz sem nenhum pejo em solenidade cívica quando exalta a sua preferência por pretensas princesas mais jovens e elogia com termos chulos a própria virilidade (com certa similaridade com o tratamento dos nazistas dado às mulheres dos países ocupados à tirania da força armada);
– homofóbico, vez que tem fixação na sua pretensa masculinidade, tal qual aquele frustrado pintor austríaco que matava os homossexuais como se fossem portadores de degeneração sexual;
– xenófobo, quando exalta o sentimento patriótico excludente que admite tudo para o seu país, mesmo que isto custe a degradação dos seus semelhantes estrangeiros, tal qual aquele ariano celta em relação aos eslavos comunistas.
A revolta popular de junho de 2013 em São Paulo encabeçada pela esquerda mais consequente e aproveitada de modo oportunista pela direita mais conservadora e embandeirada de verde-amarelo, havida em razão da debacle capitalista (onde o capitalismo é mais desenvolvido se faz sentir do modo mais rápido e cruel os impasses de sua decadência) já prenunciava o anseio popular por mudanças.
Foi o então candidato Jair Bolsonaro, e sua fakeada, quem melhor soube aproveitar eleitoralmente a insatisfação popular com seu discurso conservador nos costumes;
– com falso liberalismo na economia;
– vendendo a ideia de pretenso outsider da política, mesmo sendo deputado por décadas;
– além de fazer um discurso moralista e igualmente falso de combate à corrupção, tida então e equivocadamente como a causa mater das dificuldades sociais.
É fácil de se comprovar que já havia naquelas eleições de 2018 uma contradição ideológica inconciliável entre o militarismo nacionalista e o liberalismo clássico apregoado por Paulo Guedes e silenciado de modo oportunista pelo então candidato Jair Bolsonaro.
O que se viu depois foi que não houve privatização das estatais conforme prometido (mesmo que seja bandeira que em nada resolve os problemas sociais, posto que o patrão estado e o patrão privado obedecem à mesma lógica de extração da mais-valia e acúmulo do capital para fazer face à guerra concorrencial de mercado);
– o aparelhamento do estado com militares de pijama ou da ativa em cargos estratégicos e até de terceiro escalão;
– o aumento da dívida pública e pagamento de juros escorchantes aos nossos credores e descontrole fiscal;
– a redução de direitos trabalhistas e previdenciários;
– aumento da inflação;
– corrupção nos ricos ministérios da saúde e da educação, sem falar na descoberta de rachadinhas anteriores e com a compra de mansões em Brasília com dinheiro vivo por familiares do clã presidencial;
– aumento do analfabetismo, que tanto protege a cultura eleitoral dos rincões do Brasil profundo;
– completa submissão aos parlamentares do Centrão, e com o reconhecimento descarado do presidente que antes se apresentava como outsider, de que sempre fora pertencente ao este segmento político fisiológico, que representa um cancro histórico em nosso país;
– continuação da década perdida (1910/1920) neste início de terceira década, com registros pífios de crescimento do nosso Produto Interno Bruto;
– desmatamento criminoso da Amazônia (comprovado pelos órgãos oficiais e facilmente dedutível nas declarações daquele que devia proteger o maio ambiente, mas que pretendia deixar passar a boiada do agronegócio e extração mineral e vegetal indevida);
– política externa desastrosa que faz o governo brasileiro ser tratado como pária pelo mundo menos incivilizado, inclusive com a indicação para a importante chefia da embaixada brasileira nos Estados Unidos de um filho do presidente, numa clara prática de nepotismo, felizmente revogada pelo clamor geral;
– reinserção do Brasil no mapa da fome pela FAO, organismo da ONU;
– genocídio pela covid19, colocando-nos como campeões mundiais da relação mortes por habitantes (quase 700 mil para uma população de 210 milhões de habitantes), fato que se configura como genocídio tendo em vista a recusa governamental em comprar vacinas num primeiro momento, optando pela compra e distribuição (sem concorrência pública) de remédios comprovadamente ineficazes.
“Se tomar vacina e virar jacaré não tenho nada a ver com isso…” – quando ainda tínhamos 184.827 mortes…
Vamos ficar por aqui, ainda que tivéssemos muitos outros exemplos de desgoverno a serem citados.
Mas o pior é que a crise do capitalismo continuará, e com o Brasil particularmente atingido pelo crise que já é um fenômeno mundial, e os remédios anunciados como eficazes nada mais são do que mais do mesmo, ainda que provavelmente sem a idiossincrasia de um governo esclerosado no tempo.
O risco é que a volta da insatisfação popular nos faça retroceder aos comportamentos anticivilizatórios hoje tão incensados por energúmenos desavisados que insistem em olhar com simpatia a vida social pelo retrovisor, ao invés de fazerem a roda da história acelerar para a frente!
Por que insistirmos num modelo de mediação social caduco que nos coloca sob o risco de sucumbirmos diante da nossa própria insensatez???
Dalton Rosado.