As causas justas enobrecem

Ellie Wiesel, prêmio Nobel da Paz em 1986, escritor judeu romeno que esteve preso em Auschwitz.  

Como os leitores sabem, somos críticos da postura de conciliação com setores conservadores da política pela esquerda que assim se iguala aos outros governantes ao longo da história brasileira.
Criticamos, também, veementemente, a corrupção com a qual o governo Lula foi conivente desde o mensalão à facciosa postura jurídica da direita nos processos da Lava Jato, sem que o PT tenha feito autocrítica.
Mais do que isto, tenho convicção de que os governantes de esquerda, sempre, e sem exceção, se se colocarem em confronto com o capital, desvirtuam a função estatal que nada mais é do que dar suporte legislativo, jurídico processual, administrativo e militar à ordem capitalista, e terminam por serem depostos ou assassinados, como no caso exemplar de Salvador Allende, do Chile, em 1973.  
À esquerda anticapitalista não cabe administrar a falência estatal do capitalismo e colocar o aparelho de estado a serviço de tal função teleológica, que é o que a social-democracia burguesa nos seus maias variados matizes ideológicos insiste em fazer, razão pela qual provoca o eterno pêndulo governamental entre direita e esquerda, numa polarização enganosa.  
Mas há posturas governamentais da esquerda institucionalque devem ser elogiadas e que calam fundo nas consciências mundo afora por representarem convergência com o senso comum de justiça, e quando isto ocorre há que se elogiar, até como forma de demonstração de como a direita recalcitrante pensa e age.
Lula cresceu no conceito mundial com a comparação que fez do genocídio sionista em Gaza ao holocausto a que os semitas foram vítimas na segunda guerra mundial sob o tacão do nazifascismo, que é de certa forma similar no conteúdo ideológico, ainda que em menor proporção de resultado, ao que faz o governo de Bibi Netanyahu.  

Não são apenas as dezenas de milhares de mortes que ocorrem em Gaza, mas são milhares de palestinos em diáspora mundo afora por temor à brutalidade de um exército portentoso que lança bombas aleatórias que matam crianças e mulheres indefesas, bem como submete à fome e desalento um povo em suas próprias cidades e território.  

Lula, mesmo que esteja sendo alvo de retaliações do governo sionista de Israel, e da rede sionista conservadora e beligerante mundo afora, bem como da imprensa burguesa e setores de direita nazifascista e supremacista conservadora, ganhou um protagonismo internacional que buscava e não conseguiu obter ao comparar a Ucrânia no mesmo nível de responsabilidade belicista da Rússia ou considerar democrática a ditadura plutocrata de capitalismo estatal dita de esquerda da Venezuela.

Além da guerra da Ucrânia e do massacre sionista em Gaza, explodem mundo afora confrontos belicistas e ameaças sob as mais variadas formas, tais como:

– 212 ataques aos navios mercantes na costa africana ocidental da Somália por pirataria marítima desde 2011 e que ainda hoje continuam;
– ataque na costa africana do Iémen pelos dos rebeldes Houthis que vivem uma guerra civil e que são apoiados pelo Irã e que já atingiram 15 navios mercantes desde os conflitos em Gaza, obrigando a gigante da navegação marítima A.P. Moller-Maersk, especializada em transporte de contêineres, a desviar a rota do estreito de Suez, na Mar Vermelho, aumentando o custo de transporte marítimo e seguros. Os 11 anos de guerra civil no Iémen já causaram a morte de 233 mil pessoas e 2,3 milhões de crianças em desnutrição aguda;
– ameaça de conflito territorial da Venezuela contra da Guiana pelas terras minerais e valiosas de Essequibo, detentora de petróleo e outros minerais, prenunciando um conflito bélico na América do Sul;
– há um conflito pouco divulgado do governo da Etiópia contra um partido político da região de Tigré e uma constatação de que 9 milhões de etíopes sofrem de problema de desnutrição crônica;
– Mianmar e outro país que enfrenta uma guerra civil. Os militares do Tatmadaw (exército nacional) assumiram o poder e o controle do país desde fevereiro de 2021, após um golpe contra a eleição do líder Ung San Suu Kil do NLD, de esquerda;  
– o Haiti vive um nova e eterna convulsão social desde julho de 2021, desde que o Presidente Jovenel Moise foi assassinado e sua mulher Martine Moise foi baleada, mas conseguiu sobreviver. O país é dominado por gangs locais com conexão com a máfia dos Estados Unidos e haitianos estadunidenses;
– A síria, cujo conflito escalou desde 2011, com a morte e a diáspora de cerca de 2 milhões de pessoas e destruição das construções urbanas (há regiões onde tudo foi destruído), vive sob a tensão de um governo despótico de Bashar al-Assad apoiado pela Rússia e Irã;  
– grupos de militantes islâmicos jihadistas promovem suas conhecidas ações fundamentalistas bárbaras em países africanos como Mali, Niger, Burkina Faso, República do congo e Moçambique;
– no Afeganistão o Talibã voltou ao poder em 2021 e desde então o povo afegão vive sob tensão num país que está a conviver com uma crise humanitária em face do isolamento mundial a que está submetido.

São comuns as levas de migrantes da América Central que fazem colunas de milhares de pessoas á pé em direção aos Estados Unidos, atravessando o México, correndo todos os riscos inerentes a esta tentativa cuja entrada é considerada ilegal e indesejada pelo governo estadunidense.  

O mesmo processo ocorre na Europa com a chegada de imigrantes de outros países, vindos principalmente de África por via marítima em embarcações superlotadas e frágeis.

A Argentina, nossa vizinha, outrora um próspero país da América do Sul, com altos índices de IDH, vive um processo de decadência há várias décadas, e elege a cada quatro anos governos de direita e de esquerda que se revezam no poder político sob uma mesma base capitalista e que nada resolvem.  

A eterna discussão sobre privatização e estatização de empresas argentinas, ambas as teses sob a lógica capitalista, tem se mostrado estéril como solução dos problemas de um país que tem inflação anual atual de 254,2% e crescimento do PIB negativo de 1,1% em 2023.

Mas a rica União Europeia está às voltas com inflação alta e baixo crescimento do PIB, o que tem obrigado países como Inglaterra e França a cortarem direitos previdenciários que são alvo de manifestações decorrentes da perda de poder aquisitivo de suas populações.  

O noticiário internacional tem mostrado constantemente as manifestações francesas dos culotes amarelos e dos produtores rurais como protestos contra oo cortes de benefícios sociais e subsídios fiscais agora impossíveis de continuarem existindo.  

A portentosa Alemanha, exportadora de tecnologia para a produção de mercadorias (inclusive para a China, sua grande compradora), amargou em 2023 uma queda no crescimento do PIB de -0,3% ao mesmo tempo que teve uma inflação de 5,9% (a segunda maior desde a unificação em 1990), principalmente por conta do aumento nos preços dos alimentos.  

A continuar assim os germânicos viverão a estagflação, que é o pior dos mundos para o povo numa economia capitalista.  

São extensos os exemplos que denunciam o ocaso de uma forma de relação social que se torna obsoleta nos seus fundamentos existenciais e que clama por uma transformação substancial de seus conceitos e práticas.  

É neste contexto que a denúncia mundial contra o massacre de palestinos em Gaza pelo governo sionista de Israel sob o pretexto de retaliação de uma ação infrutífera e cruel do Hamas, merece elogio e  unidade de repúdio internacional ao genocídio por lá caracterizado.  

Lula, ao fazer a comparação de tal massacre sionista com os métodos genocidas do nazifascismo hitlerista, ganhou um protagonismo e ativou a discussão sobre a necessidade de criação do Estado palestino (aqui quero reafirmar a minha posição contra o estatismo mundial, que é sempre nacionalista e xenófobo), colocando o tema na pauta da próxima reunião do G20 a se realizar no Brasil em novembro, mas que já provocou a discussão prévia de termas sensíveis no quadro de decadência e beligerância capitalista mundial.  

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;