AS ARMAS DE FOGO SÃO MERCADORIAS

“Não sei como será a terceira guerra mundial, mas sei como será a quarta: com pedras e paus.”  

Albert Einstein.

Podemos dizer que a vida dita “moderna”, da era dos avanços tecnológicos concomitantes aos retrocessos sociais e guerras com poder de destruição antes inimagináveis (sem que se condene os avanços tecnológicos, porque devem ser compatíveis e indispensáveis com outras estruturas de produção de bens diferentes das atuais), representa o período mais bárbaro da nossa história.

Todo o processo de implantação das trocas quantificadas que deu surgimento à abstração forma-valor (configuração mental de quantificação do tempo de trabalho como critério para as trocas propiciadoras da acumulação das riquezas materiais e abstratas de quem se apropria das mercadorias trocadas sob critério de um padrão de valor, o antigo escambo, hoje, compra e venda), se acelerou definitivamente com a imposição das armas de fogo na transição dos regimes fisiocratas para os regimes mercantilistas, ou em palavras mais diretas; na implantação forçada do capitalismo.

A civilização dita “moderna” é incivilizada no seu substrato existencial mais profundo, e isso tem conexão direta com o desenvolvimento da moderna forma-mercadoria imposta pelas armas de fogo, e não é por menos que os países mundo afora buscam deter a tecnologia das bombas nucleares, mais como forma de imposição de vontade de suas tiranias imanentes às relações mercantis ora em processo de decomposição orgânica, do que como instrumento de defesa.  
Hitler buscou as armas nucleares que somente não foram conseguidas a tempo por ele por conta da idiossincrasia da perseguição que promoveu aos cientistas contrários ao totalitarismo nazista, e especialmente pela perseguição aos cientistas judeus como Albert Einstein.  

Bolsonaro, o ignaro, é exemplo de quem segue por essa trilha e liberou geral para as armas de fogo.    

A arma de fogo com sua letalidade, representou, diante da resistência dos senhores feudais escravocratas diretos aos burgueses escravistas indiretos do trabalho abstrato, o elemento de força que obrigou esses primeiros senhores fisiocratas a “libertar” dos cárceres privados rurais os seus servos para os centros urbanos para trabalharem sob uma nova forma de relação social, consistente num escravismo indireto do trabalho abstrato produtor de valor no qual o escravo escolheria seu novo senhor escravocrata: o patrão.  

A esse último período da história se denominou como iluminista, por significar o descortínio de uma saída das trevas escravistas diretas da fisiocracia monárquica-clerical-rural-aristocrática para um regime no qual o indivíduo social, agora transformado em cidadão (as palavras têm sempre um sentido semântico que trazem uma indicação do seu conteúdo originalmente surgido, posto que o cidadão é preponderantemente citadino, urbano, pronto para produzir mercadorias e ser  explorado mediante salário, tal como o termo burguês, palavra derivada dos burgos, que eram locais de feiras comerciais), poderia escolher a quem vender a sua única mercadoria, a força de trabalho, “livremente”.    

 A república burguesa, tão decantada generalizadamente como sinônimo de equidade e comportamento moral e ético inquestionáveis, deriva dessa lógica de “liberdade” da forma-valor (representada pelo dinheiro e mercadorias) imposta pelas armas de fogo, daí as suas deformidades intrínsecas ora sob processo de exposição das vísceras carcomidas pela obsolescência das instituições republicanas que tentam dar sustentação política e legal ao insustentável: a vida mercantil.

As armas de fogo não representam apenas o poder da força em contraposto à força da razão, mas representam, principalmente, hoje, um nicho de mercado nacional e internacional importante num momento de depressão econômica.      

Os valores em armas de guerra envolvidos na invasão russa à Ucrânia, de um lado e do outro, e em tantas outras guerras permanentemente ampliadas, representam trilhões de dólares para as indústrias armamentistas mundo afora, e são vendidas para os Estados beligerantes (e também para o crime organizado) que com a justificação da participação na guerra aumentam os seus já precários endividamentos públicos, que representam a ponta do iceberg que vai colidir com o Titanic da economia mundial.  

A guerra é uma fuga para a frente do capitalismo mundial decadente, e pode proporcionar o fim da humanidade, sem nenhum exagero fantasioso; basta que consideremos que as ameaças de guerras nucleares noticiadas repetidamente correspondem à verdade da existência do poderio bélico altamente destrutivo de tais armas.

Diante da possibilidade de colapso do capitalismo, mesmo que ele ocorra no médio prazo em termos de tempo histórico (que é diferente do tempo de vida humana), tal ocorrência se prenuncia e vem se condensando nas suas mutações sociais próprias à dialética do movimento, e de modo tão acelerado que em uma década, atualmente, modificam-se as relações sociais que antes levavam um século para ocorrer.

Entretanto, ao invés de se encarar os problemas que estão a surgir por conta das contradições capitalistas que se avolumam, e procurar soluções a  partir de um consenso de partilha das riquezas materiais que venham a ser produzidas com o apoio da tecnologia de ponta hoje existente, o pensamento conservador da elite política dominante prefere induzir a população ao apoio de conceitos retrógrados sob a cantilena de que ditos pressupostos, já vividos num passado até recente, podem e devem ser retomados.  

Qualquer pessoa que converse com um nazifascista atual, seja ele um ferrabrás intransigente (e são muitos assim), ou mesmo que seja maquilado com o verniz da hipocrisia de salão, observará a intransigência e prepotência de tais postulados retrógrados próprios às verdades absolutistas presentes nestes nas mentes destes últimos.

É aí que entra o apego à força das armas como modo de manutenção por ameaça ou ação de tais postulados retrógrados como forma de preservação de privilégios capitalistas que se esvaem pela própria insubsistência das relações de produção e comércio em rota falimentar, no que são apoiados por governos de naturezas totalitárias que apregoam o estado mínimo desobrigado ao atendimento das demandas social, e ao mesmo tempo forte militarmente com  gastos bélicos armamentistas pagos pelo contribuinte explorado pela extração de mais valia e cobrança de impostos cada vez mais penosos.  

É nesse sentido que a extrema direita armamentista se organiza internacionalmente e ganha força diante de populações atônitas e inconscientes do que fazer diante da falta de resposta de governos da esquerda institucional que tenta administrar a crise do capital como se fosse possível mudar a natureza do escorpião da conhecida fábula.  

Não é por menos que em muitos países que compõem a força hegemônica do capital, quase todos situados no hemisfério norte, diante da perda de poder aquisitivo de suas populações e desespero dos jovens que chegam à idade adulta sem mercado de trabalho, acenam politicamente para postulados totalitários como se pode observar:
– na Itália, com Giorgia Meloni;
– na Hungria com Viktor Orbán;
– na Holanda com Mark Rutte;
– na Turquia com Recep Tayyip Erdogan;
– na Rússia com Valdimir Putin;
– na China com Xi Jinping;
– na Venezuela com Nicolás Maduro;
– em Israel, com o genocida Bibi Netanyahu;
– na coalisão governamental na Finlândia, Suécia e Grécia.

Além disso, observa-se o crescimento da extrema-direita nas pesquisas eleitorais como na França, com Marine Le pen; em Portugal com André Ventura do Partido Chega; na Espanha com Alberto Nuñez Feijóo; e nos Estados Unidos com Donald Trump, juntamente com o surgimento de provocadores de direita destemidos e publicamente assumidos na Alemanha, Canadá e Nova Zelândia.  

Nos dois maiores países da América do Sul, há um inequívoco apoio eleitoral brasileiro e suas elites à direita militarista (que diverge de uma cúpula militar mais evoluída na análise geopolítica mundial) com Bolsonaro e seus herdeiros, como Tarcísio de Freitas, Governador de São Paulo, e eleição de um populista oportunista exotérico como Javier Millei na Argentina, que segue na linha clássica do neoliberalismo que já de há muito deu com os burros n’água.  

É impressionante como há convergência entre populistas ditatoriais retrógrados e a força das armas como instrumento de tentativa de manutenção da secular submissão popular à tiranias governamentais de sempre, e que, hoje, dão suporte à decadência capitalista inexorável.

Do mesmo modo que quando acabarmos com a forma-valor e sua mercadoria dinheiro refrearemos a produção e distribuição das drogas, pari passu, refluirá a escalada bélica de produção de armas.  

Dalton Rosado

Dalton Rosado é advogado e escritor. Participou da criação do Partido dos Trabalhadores em Fortaleza (1981), foi co-fundador do Centro de Defesa e Promoção dos Direitos Humanos – CDPDH – da Arquidiocese de Fortaleza, que tinha como Arcebispo o Cardeal Aloísio Lorscheider, em 1980;