Há respeitáveis intelectuais no mundo inteiro que apontam para o enfraquecimento dos regimes democráticos. Para eles, o sistema democrático representativo está com a sua consistência e com sua legitimidade abaladas, tamanha é a disfunção nos procedimentos eleitorais, tamanha é a influência do ‘mercado’ nos governos e nos parlamentos eleitos. O interesse geral da nação e do povo (os dois foram esmaecendo e perdendo força nas últimas décadas) perdeu espaço. E este espaço foi conquistado por homens de negócio, o que poderia até não ser de todo mau, se houvesse uma composição variada desse grupo (indústria, comércio e serviços, agricultura, mineração, pequena, média e grande empresa, nacionais com boa representação regional e estrangeiras de todos os cantos etc). O problema é que o poder ficou completamente concentrado nas mãos dos homens de negócio do mercado financeiro. Somaram ao poder do dinheiro o poder da máquina pública.
A verdade é que os banqueiros sempre pareceram querer e precisar desse controle, e se prepararam para conquistá-lo e mantê-lo, segundo as boas regras de Maquiavel. O processo foi lento e firme, começando por tornar os governos devedores, estimulando-lhes (se necessário) a produzir déficits até o infinito da dependência total, mas no limite da solvência. Endividamento livre, cobrança de impostos bloqueada.
Pronto, estabelecida a dívida, bastava provocar o desequilíbrio nalguma área frágil. Uma crise cambial aqui, uma crise fiscal ali, uma inflação descontrolada acolá, uma recessãozinha alhures, e as oportunidades de grandes ganhos se tornam realidade. De onde vêm os ganhos? Do Tesouro de cada país, principalmente, e de alguns milhares ou milhões de pequenos poupadores e trabalhadores. Onde não houvesse problema econômico, um problema político poderia ser sugerido e estimulado adequadamente. Uma coisa ou outra é suficiente para gerar a conveniente volatilidade.
Os países mais pobres e mais atrasados (politicamente, economicamente, culturalmente) da América Latina, por exemplo, revezam-se em suas ‘crises’. Podem tomar o calendário da história dos anos 1980, 1990 e início do novo século, e verão Brasil e Argentina se revezando junto aos comitês de bancos credores em Nova Iorque. O Brasil só saiu dessa dança de cadeiras quando, de 2003 a 2010, aproveitou uma boa maré econômica mundial e ‘zerou’ a dívida externa, criando reservas cambiais de quase quatrocentos bilhões de dólares.
Em outras palavras: no Brasil, os banqueiros perderam o poder de gerar crises. Precisaram de outros agentes, e os acharam entre velhos parceiros.
Ao ponto que interessa neste momento.
Todos os passos da dança política e econômica do país neste exato instante e nos últimos 15 meses, mais ou menos, apontam para uma remodelagem que só interessa e só agrada ao sistema financeiro. Todos os demais empresários estão fora dos grandes benefícios, vão ter que se contentar com algumas rebarbas e algumas sobras do banquete restrito ao que se chama ‘mercado’.
Nem industriais nem comerciantes são sequer ouvidos. Se ouvidos, são desconsiderados, esquecidos. Não há mais lideranças entre aqueles que empreendem e arriscam produzindo. Alguém está falando por eles, em nome deles.
Se não acordarem rapidamente, não vão ver o dia amanhecer. Para serem de novo ouvidos, terão de juntar-se aos trabalhadores, o que é muito improvável de acontecer.
(Estas ideias me ocorreram num flash, após ler na imprensa alternativa um Manifesto de centrais e sindicatos de trabalhadores defendendo a indústria nacional, entre outros de seus interesses).