Ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais, por Osvaldo Euclides

A hegemonia política que dominou o Brasil por um século (e teria sido interrompida nos últimos treze anos por quatro vitórias eleitorais consecutivas de um partido que se diz de esquerda, que tem origem e suporte na esquerda, mas que agiu no poder como um partido de centro-direita) perdeu a paciência, abandonou o “fairplay” e retomou o poder. A deflagração do processo de retomada foi feita assim que as urnas foram abertas e a quarta vitória foi declarada. Como os hegemônicos tradicionais poderiam esperar pelo menos mais quatro anos, se não havia lideranças, nem projetos e nem partidos em condições de ganhar o voto e a eleição? Arriscar-se-iam a ficar fora do poder por tanto e tão imprevisível tempo? Prevaleceu a impaciência, em detrimento do país e da estabilidade. Bem, um ano e meio depois da eleição, o país tem outro governo. Aquele que foi eleito pelo voto em eleições livres caiu, ou foi derrubado, como queiram, por impeachment, golpe ou “golpeachment”.

Há um governo interino, de tão baixa ou nenhuma legitimidade popular e eleitoral que até sua legalidade se debate. Há uma crise econômica que se formou em mais de 30 meses de lenta e firme destruição da confiança de investidores, empresários e consumidores. Há uma crise política provocada (entre outras coisas) por um avassalador e focado processo policial-judicial que resolveu investigar e punir a corrupção e o tradicional sistema de financiamento de partidos e candidaturas, este, vizinho ilustre daquela, com quem sempre andou de mãos dadas, um justificando o outro. E há, ainda, de um lado as ruas, com o que se chama de movimentos sociais e, de outro lado, a grande imprensa. Estes dois lados são muito fortes e ainda mantêm alguma convivência cordial, mas que se deteriora. Alguma influência externa há, mas se manterá discreta até que alguma estabilidade seja alcançada (até lá, será tratada como “teoria conspiratória”, mote que funciona como uma espécie de “mata-leão” em qualquer debate) e seus interesses sejam atendidos.

Uma palavra sobre os últimos treze anos. Uma oportunidade histórica se perdeu. Em treze anos, o Brasil não mudou nada ou mudou muito pouco, ou mudou apenas superficialmente – uma concessão aqui, outra ali, um projeto assim, outro assado, nada mudou estruturalmente, nem na política, nem na economia. Continuamos no passado, debatendo “reformas” que nunca acontecem, perseguindo um futuro que nunca chega, continuamos com uma democracia cada vez mais relativa, uma prosperidade sempre muito mal distribuída.

Uma palavra sobre os próximos sessenta dias. Tudo pode mudar, e é razoável temer que isso aconteça. Há, certamente, um competente projeto, feito sabe-se lá por quem e como, embrulhado para presente. Pode até parecer que é para melhor, mas é difícil que assim seja. Melhor se fosse um projeto devidamente explicado ao cidadão e livremente aprovado nas urnas.

As próximas palavras, você pode ler ou cantar (salve, Belchior!): nossa dor é perceber que apesar de tudo que fizemos (nos últimos trinta anos), ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

Mais do autor

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.