Meu coração também está à nu… por PEDRO HENRIQUE

Ele havia-lhe enviado uma mensagem:

– Ai, moça, meu coração anda tão aflito…

Ao passo que ela lhe respondeu com uma prosa de Cecília Meireles, A arte de ser feliz…

São lindas as palavras como é lindo o olhar singelo dessa criatura que é ao mesmo tempo musa e poetisa inspirada. Seu nome de batismo e suas palavras se encontram num casamento singular; singular como Cecília apenas o enviesado Dos Anjos, quem sabe. Bandeira e Drummond arriscam palpites, mas parece vão alçar com palavras a sutileza dessa estrela da manhã.

De minha parte, sempre fui um tanto afeito ao terrível, ao torto, ao desaprumado. Gostava muito dos poetas ditos malditos franceses, Lautréamont, Baudelaire, Rimbaud. A beleza sempre me assustou, sempre matou os poetas: “O estudo do belo é um duelo em que o artista grita de pavor antes de ser vencido”, dizia Baudelaire. Rimbaud inicia o relato de sua estadia no inferno dizendo: “Uma noite, sentei a beleza no meu colo. – E a achei amarga. – E a xinguei!”. Logo em seguida diz ter aprendido amá-la, “Isso passou. Hoje sei saudar a beleza”. Lautréamont escreve os cantos terríveis de Maldoror em pseudônimo para logo depois, com nome de batismo, Isidore Ducasse, dizer nas Poesias que “Não deveria ter percorrido os domínios satânicos”.

A beleza matou como redimiu o jovem Álvares; levou ao inferno como ao paraíso (não sem Virgílio) o amigo Dante. Assim sendo, “Quero”, também eu, “cada vez mais aprender a ver como belo aquilo que é necessário nas coisas: – assim me tornarei um daqueles que fazem belas as coisas. Amor fati [amor ao destino]: seja este, doravante, o meu amor! Não quero fazer guerra ao que é feio. Não quero acusar, não quero nem mesmo acusar os acusadores. Que a minha única negação seja desviar o olhar! E, tudo somado e em suma: quero ser, algum dia, apenas alguém que diz Sim!”.

A filosofia como alma mater quis um dia deserdar a poesia – antiga polêmica da República de Platão; seria um grande erro da razão querer levantar seu castelo frio, de gelo, querer murar sua cidade deixando de fora os poetas como bárbaros prestes a lhe invadir. Nietzsche foi um bravo, porque mostrou, no estilo, como é possível enlaçar apolínio e dionisíaco, bela forma e instinto criativo, genioso, transbordante. Servindo-se de Heráclito, o dialético melancólico, e Espinosa, que tratou a substância, Deus-Natureza, aquilo que é causa de si mesmo, como poética, produtora, autopoiética, fazendo o não ser vir a ser; Nietzsche teria compreendido a vida como essa constante criação e recriação de um universo poeta. E seríamos nós fragmentos de verso lhe ajudando a compor sentido: “Que seria a tua felicidade, ó grande astro, se não tivesses aqueles que iluminas!”.

Silêncio…

Talvez a melhor opção seja mesmo ouvir o bom conselho de Cecília e abrandar o olhar nas sutilezas do dia: “Mas, quando falo dessas pequenas felicidades certas, que estão diante de cada janela, uns dizem que essas coisas não existem, outros que só existem diante das minhas janelas e outros, finalmente, que é preciso aprender a olhar, para poder vê-las assim”.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Pedro Henrique

"Anota aí: eu sou ninguém"

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