Procurando uma coisa, encontrei outra, este texto que escrevi em 2003, por ocasião da conclusão de grau dos alunos do Curso de Letras da UFCG, onde leciono. Segue o texto.
É PRECISO OLHAR ALÉM DA MONTANHA
Aos concluintes do CFP-UFCG
A vida para uns é uma passagem repleta de realizações, alegrias, triunfos, facilidades. São os que receberam do berço uma condição econômica superior. Não precisam fazer muito esforço, a “sorte” já lhes ronda a estrutura familiar, dificilmente não darão certo na vida.
Para outros, os que fazem a maioria do povo, a vida é um misto de barreiras, dificuldades, perdas, pedras no caminho. São os 54 milhões de brasileiros que estão abaixo da linha da pobreza. Para estes, não há céu, paraíso ou felicidade. Há apenas um inferno permanente, regado pela miséria.
Os que hoje concluem seus cursos superior e técnico, certamente não estão no topo da pirâmide social ou na encruzilhada da exclusão absoluta. Porque tiveram barreiras, mas puderam transpô-las; tiveram dificuldades muitas, como as alunas-mães que acordavam às 4 horas da manhã para deixar o almoço pronto e depois viajar cerca de duas horas ou mais de suas localidades até este Centro, para pontualmente assistirem às aulas às 7 da manhã; tiveram muitas pedras no caminho, tais como a política educacional traçada pelos governos que coloca o professor numa situação salarial vexatória, privando-nos das condições materiais para o exercício digno da profissão. E esta política educacional (por enquanto ainda não sinalizou com nenhuma mudança) é exercida criminosamente pelos governos estaduais e pelos governos municipais, que subservientemente tratam a educação com desprezo, demonstrando, além de incompetência, o favorecimento de uns e a opressão sobre a maioria dos trabalhadores em educação, achando que mantém ilusoriamente o controle da situação.
Todas estas adversidades, no entanto, não foram capazes de interromper a vitória dos que hoje se formam. E essa vitória, mais do que tudo, demonstra uma vitória conjunta em que a solidariedade de pais, parentes, amigos, consortes, mestres, funcionários e colegas de curso foi determinante para o sucesso da noite de hoje. Se é na perspectiva da solidadriedade que mais pessoas conquistam vitórias, tomemos estes exemplos para nossas vidas.
As adversidades são muitas num país de desigualdades, mas no país que queremos, que conta com os formandos de hoje, cidadãos e cidadãs qualificados e prontos para construírem um mundo melhor, ergamos o punho e, cônscios do nosso papel, empunhemos a bandeira da solidariedade e da luta para ajudarmos este país a sair desta estatística de horror e miséria que nos envergonham.
Agora, é preciso melhorar a sociedade em que vivemos a partir da melhoria da nossa própria condição individual. É preciso olhar além da montanha. Parabéns, ex-alunos! E, daqui para frente, companheiros de lida cotidiana. Ainda há inúmeras pedras para remover. Mas nós seremos cada vez mais fortes. Cada vez mais integrantes de um mundo onde é preciso construir todos os dias a paz, a igualdade e a esperança como bandeira maior da superação dos abismos.