O capitalismo é autodestrutivo, mas, infelizmente, ele é, também, socialmente destrutivo, e esta é a razão da tensão da guerra, que pode perigosamente escapar de uma guerra convencional para uma guerra nuclear.
Atualmente tudo está a ocorrer dentro do mais tenebroso figurino da irracionalidade da relação social sob o capital.
O capital não é apenas individualmente assassino, mas genocida!
A China e as suas relações com o capital internacional não pode conviver no longo prazo com uma redução do PIB como está sendo anunciada para 2022, sob pena de ficar decretado o calote de sua dívida pública e privada, já impagável, que corresponderá a uma bomba atômica no mundo financeiro, mas não sem antes provocar uma tensão de guerra nuclear.
Os Estados Unidos idem.
A Ucrânia é pretexto; Taiwan também. São importantes zonas de produção alimentar e tecnológica, mas que apenas revelam o que está por trás da ação de cada potência econômica: interesses mesquinhos e desumanos que o capitalismo fomenta.
Lembram da pequena faísca decorrente do assassinato do Arquiduque Francisco Ferdinando, em Saravejo, que provocou o incêndio da primeira guerra mundial?
O arquiduque Austro-húngaro Francisco Ferdinando e sua esposa Sophie foram assassinados em 28.06.1914, quando de uma visita àquela cidade, praticados por ativistas sérvios que lutavam pela libertação das províncias eslavas sob dominação do império Austro-húngaro, desejando a criação da Grande Sérvia, que seria futuramente a Iugoslávia.
É claro que a importância do que estava em jogo ali não era apenas a indignação pelo assassinato de um monarca imperialista, mas a tensão causada pela reconfiguração do sistema de produção de mercadorias que deslocava a revolução industrial inglesa para a disputa por hegemonia político-econômica pela Alemanha na Europa, e pela revolução fordista nos Estados Unidos.
Este incidente serviu como desculpa para a tentativa de dominação alemã da Europa, cuja resposta inglesa e francesa inicial (que tentavam manter os seus domínios) se alastrou mundialmente como gasolina em incêndio.
Há mais de 100 anos, portanto, já existia, patrocinado pelo novo modo de produção industrial de mercadorias que se iniciava, o vírus letal da relação social da fase desenvolvida da forma valor: o capitalismo industrial e financeiro.
Agora vivemos a era de terceira revolução industrial cibernética, que é muito mais destrutiva da essência da lógica do capitalismo do que a revolução fordista do início de século XX, e ainda mais em relação à revolução industrial inglesa da metade do século XIX.
A robotização substitutiva do trabalho abstrato produtor de valor, seja na indústria ou na computação aplicada à área dos serviços, tem racionalizado procedimentos e dispensado a força de trabalho humana em níveis nunca antes experimentados, e isto é fatal para a economia capitalista.
Máquina não produz valor e exige cada vez mais investimentos em capital fixo (não produzido globalmente na dimensão necessária -instalações, tecnologia, equipamento) e, assim, ao decrescer a massa global de valor em face da redução de custos e de valor das mercadorias no mercado global, provoca a crise do desemprego estrutural e o endividamento insolvável.
As dívidas públicas e privadas crescentes, que prenunciam a insolvabilidade até mesmo dos chamados serviços da dívida (leia-se juros cobrados aos países da periferia capitalista, os que estão fora do baile do G7), são importante fator que se agrega aos antes citados.
Esse conjunto de fatores correspondem ao caráter contraditoriamente autodestrutivo do capitalismo.
Diante da inviabilidade de permanência deste acelerado processo de autodestrutibilidade, ao invés de se criar alternativas ao formato decadente de poder político-burguês (seja ditatorial ou democrático liberal), e se buscar uma nova lógica de relação social, ao contrário, intensificam-se aquilo que ocorreu na origem do capitalismo: as tentativas de subjugação de estados nacionais que pretendem deter hegemonia econômica pelas armas de fogo aos que são menos potentes, agora com a letalidade das armas nucleares.
Esta é a razão da tensão tenebrosa da guerra nuclear ora em curso.
A Ucrânia tem laços históricos com a grande Rússia, do mesmo modo que Taiwan, a antiga Ilha Formosa (nome dado pelos portugueses, os imperialistas de então), e depois China nacionalista de Chiang Kai-shek mais recentemente com a revolução comunista chinesa que derrotou os nacionalistas que ali se instalaram sob uma perspectiva burguesa tradicional.
Mas as diferenças de inclinação político-ideológicas permaneceram latentes até o presente momento no qual a importância estratégica das duas no campo da economia (Ucrânia e Taiwan), fizeram eclodir o desejo de dominação que sempre permeia as potências econômicas capitalistas, seja sob um regime ditatorial capitalista de mercado como a Rússia, ou seja de um capitalismo de mercado dito comunista como a China.
Por sua vez, o mundo ocidental capitalista burguês hegemônico, dos Estados Unidos e União Europeia, em franca decadência como tal, não quer perder a sua zona de influência sobre estas duas nações pouco populosas, mas estrategicamente importantes no cenário mundial.
A Ucrânia é celeiro de uma grande parte do mundo que precisa consumir o seu trigo e milho, que embora tenham baixo valor agregado, são fundamentais num mundo no qual cresce o fantasma da fome, seja por conta do empobrecimento populacional mundial, seja por conta do aquecimento global que vem causando transtornos na produção de alimentos.
A Ucrânia é rica em riqueza material.
Por sua vez Taiwan, que mesmo sendo uma ilha de apenas 35.881 km², coloca-se como a 21ª economia mundial, e tem renda per capita de $ 53.074 PPC (2018), constituindo-se como uma das maiores do cenário mundial, graças à exportação de equipamentos eletrônicos.
Para se ter uma ideia dessa importância, empresas Taiwan Semiconductor Manufacturing Co. (TSMC) e United Microelectronics Corporation (UMC), fundadas em 21 de fevereiro de 1987 e, em junho de 2022, respectivamente, têm capitalização de mercado que representa aproximadamente 90% do PIB de Taiwan.
A primeira empresa é a 9ª maior do mundo por capitalização de mercado, bem como a maior empresa de fabricação de semicondutores, superando a Intel e a Samsung.
Ora, não se precisa fazer grandes exercícios de análise para se concluir o que está subjacente à guerra pelo domínio político-econômico destas duas nações que se querem proclamar como independentes num mundo capitalista no qual todos os grandes países e blocos político-econômicos querem subjugar aqueles que não detêm a mesma força bélica.
A tensão atual de guerra, que por enquanto se restringe à guerra convencional, pode resvalar para uma guerra nuclear, até mesmo por um erro banal de gerenciamento, como declarou recentemente o representante da Organização das Nações (des)Unidas.
A guerra nestas duas localidades próximas da Rússia e da China apenas demonstram aquilo que antecedeu as duas grandes guerras mundiais: a tentativa de reconfiguração do mapa da hegemonia político-econômica pela força bélica, que representa a certificação do estágio intelectual atrasado sob o qual ainda estamos atrelados.
É que, como diz o velho ditado popular, em casa que falta pão, todos brigam, e ninguém tem razão.
Dalton Rosado.