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A RESSURREIÇÃO DO BOTAFOGO

Nasci no Rio Comprido, bairro pobre da zona Norte da Cidade Maravilhosa, e lá vivi a primeira infância.
O Rio de Janeiro era a cidade cultural do país e sede do Governo Federal nos anos 50, os chamados anos dourados do pós-guerra. Minha mãe, uma nordestina arretada, falava do Rio como quem fala do paraíso.
Naquele tempo a maior malandragem era vender o Pão de Açúcar com bondinho e tudo aos caipiras ricos que vinham conhecer a capital federal.
Pré-adolescência em Belo Horizonte e adolescência em Mossoró, Rio Grande do Norte, terra da minha mãe (dos 10 aos 20 anos).
Meu pai era mineiro de Mariana e eu moro há 54 anos em Fortaleza, cidade que me acolheu; me concedeu há 42 anos o título de cidadão fortalezense por lei Municipal que muito me honra, e na qual construí minha história pessoal já longeva. Sinto-me cearense, que é como me apresento quando me perguntam de onde sou.
Sou a síntese da brasilidade miscigenada e multirregional de que falou Chico Buarque numa de suas belas canções.
Aprendi a gostar do Botafogo ainda na adolescência. Eis os ingredientes que me faziam admirá-lo:
— não era um time da elite carioca, nem estava entre os mais ricos;
— não possuía a maior torcida, mas era muito teimoso no enfrentamento dos poderosos Flamengo, Fluminense e Vasco.
Sempre tive a mania de ficar do lado dos aparentemente mais fracos e o Botafogo era o mais modesto dentre os quatro maiorais em termos financeiros.
O Fluminense era o clube da fina flor da sociedade carioca, muito refinado para o meu coração plebeu. Dizem que por lá, após uma derrota, os torcedores ricos iam dançar valsas e polcas e comer quitutes nas Laranjeiras. O apelido de de arroz vem daí.
Acho que o Vasco, por ser o time que mais cedo aceitou jogadores de ascendência africana em seu elenco. seria o segundo na minha simpatia
 

Mas era impossível não gostar daquele time de 1962 (quando eu tinha 12 anos):

— cuja linha era composta por Garrincha, Didi, Quarentinha, Amarildo e Zagalo;
— que na defesa tinha a enciclopédia do futebolque atendia pelo nome de Nilton Santos;
— e que no gol contava com a coragem de Manga, o goleiro que defendia os arremates pegando a bola com uma única mão.
Este último, grande pernambucano que depois foi campeão brasileiro e brilhou mundo afora, ficou marcado por, como reserva de Gylmar dos Santos Neves na Copa do Mundo de 1966, ter sido o titular logo na partida das oitavas de final que decidiria a vaga (Gilmar atuara na vitória contra a Bulgária e na derrota diante da Hungria). Manga e todo o escrete jogaram mal e os portugueses nos despacharam para casa: 3×1.
Os embates na década de 1960 com o Santos de Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe, que juntos formavam o ataque da seleção brasileira de então, ficaram na memória futebolística brasileira como espetáculos de rara arte e alegria. Pelé como o rei e Garrincha como a alegria do povo.
Mesmo antes de ver quatro de seus jogadores se tornarem campeões mundiais nas copas de 1958 e 1962, o Botafogo já tinha história.
Fora tetracampeão do Rio de Janeiro de 1932 a 1935, com um time que tinha o brilhante Carvalho Leite e Patesko. Depois veio Heleno de Freitas, um fenômeno de elegância e categoria, bem como Paulo Valentim, da estirpe dos craques brasileiros que logo se situariam entre os melhores do mundo.
[Só que ainda não sabíamos disso e sofríamos com o complexo de vira-latas, expressão cunhada por Nelson Rodrigues e sua sensibilidade arguta.]
Pelé e Garrincha em 1958, com o esquete de ouro, nos colocou no patamar que deveríamos estar perante o mundo (bola para isto já tínhamos há muito tempo).
Uma nova leva de craques surgiu no final dos anos 60: Jairzinho, Gerson, Roberto, Rogério, Zequinha, Paulo César Caju
Foi este último que o carrasco Médici quis vetar ainda nas eliminatórias do Mundial Fifa de 1970, talvez porque o apelido caju se devesse à sua admiração pelos panteras negras, movimento revolucionário estadunidense, que o fez tingir seu cabelo de vermelho, algo inusitado na época.
João Saldanha, botafoguense de quatro costados e simpatizante comunista, ousou mantê-lo no escrete, dizendo que não dava palpite quando o presidente escalava seus ministros nem aceitava palpite ao escalar seus jogadores; e que o Paulo César Lima poderia não servir como genro, mas serviria para trazermos definitivamente a Jules Rimet (taça que, adiante, vergonhosamente deixaríamos larápios furtarem da sede da CBF).]
Muitos outros sequenciaram a galeria de craques do Botafogo como o prezado amigo Afonsinho, Valtencir, Marinho Chagas, Mendonça, Donizeth Pantera, Túlio Maravilha, Leônidas, Gonçalves, Maurício, etc., etc., etc.
O Botafogo sempre foi celeiro das vitoriosas seleções brasileiras e alguma coisa me dizia que voltaríamos a ganhar quando o Botafogo novamente tivesse grandes craques nas suas fileiras para honrar a sua tradição.
Agora somos campeões da Libertadores e atingimos o patamar da glória eterna sul-americana nos ombreando aos maiores deste continente, lugar que nos é de direito pela nossa história e que agora nos faz jus.
Obrigado a John, Vitinho, Bastos, Alexandre Barboza, Adryelson, Alex Teles, Cuiabano, Gregore, Oscar Romero, Marlon, Luiz Henrique, Igor Jesus, Savarino, Thiago Almada, Junior Santos, Tiquinho, e todo o elenco imortalizado na galeria de honra dos imortais botafoguenses.
Ressurgimos das cinzas e a estrela solitária voltou a reluzir.  

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