Ele pode ter apenas 7 anos de idade, mas já sabe exatamente o que quer na vida. Ou pelo menos o que quer naquele exato momento, escaldado que está sob o sol inclemente do meio-dia: chegar na banca de revistas que fica próxima à sua casa.
Quer dizer, não tão próxima assim: a banca fica, na verdade, a um quarteirão e meio da pequena vila de casas onde mora. Um lugar muito longe, portanto. Mas ele, como bom asgardiano que é, está mais do que determinado a seguir em frente e nada, absolutamente nada vai impedi-lo de realizar seu intento.
Isto é, a não ser uma ordem da sua mãe, mas ela, graças a Deus, já lhe deu permissão para empreender a tão esperada e perigosa aventura, por sinal a primeira que enfrenta sozinho.
Daí sua total atenção durante a jornada, o que ocasiona uma parada estratégica no meio do quarteirão para conferir a fortuna que leva no bolso: não mais do que um punhado de pequenas moedas prateadas, mas suficientes para a aquisição do seu precioso presente, o primeiro a ser adquirido com suas próprias economias.
Conferidos os recursos, ele diminui drasticamente as passadas à medida em que se aproxima da esquina; desde que viu um choque entre dois ciclistas aprendeu que esses lugares – as esquinas – funcionam como portais de onde pode surgir, não mais que de repente, qualquer tipo de coisa, inclusive bicicletas.
Vencida a temerosa esquina, ele finalmente vê, na calçada oposta do quarteirão, a banca de revistas, naquele instante parecendo não mais do que uma estrutura brilhante, visto refletir a luz do tal sol escaldante.
Revigorado pela visão, volta a apressar o passo miúdo, agora ciente de que seu objetivo está cada vez mais perto de ser alcançado.
Ao chegar diante da banca, mais um problema: a mesma está do outro lado da rua, o que implica, portanto, numa arriscada travessia, essa ainda mais temerosa, posto que a rua é, na verdade, uma avenida de mão dupla. Nesse instante lhe vem à mente as palavras da mãe: “Quando for atravessar uma rua olhe sempre para um lado e outro para ver se não vem carro e só vá em frente quando não vier nenhum”.
Seguindo fielmente o ensinamento da mãe, ele logo se vê diante do Senhor da Banca. O homem mira-o do alto do seu trono de madeira.
– O que você quer, garoto? – pergunta.
– Uma revista em quadrinhos! – diz, sem titubear.
O Senhor da Banca sorri.
– Qual delas? – retruca, enquanto aponta para uma fileira de revistas.
– Uma de super-herói!
– De super-herói? – diz o Senhor da Banca, coçando a cabeça. – De Super-herói eu não tenho muitas não, tem mais é do Tio Patinhas, do Pato Donald… Não quer uma do Tio Patinhas?
– Não, eu quero uma de super-herói! – diz, resoluto.
O Senhor da Banca se levanta do seu trono de madeira e percorre com os olhos as revistas expostas, pegando duas delas.
– De super-herói só tenho essas duas aqui: uma do Tarzan e outra do Homem-Aranha. Qual delas você quer?
Sem saber quem é quem, ele aponta para a que tem a capa mais colorida.
– Essa do Homem-Aranha custa três cruzeiros. Quanto você tem aí?
Hora de tirar a fortuna do bolso, o que ele faz com todo o orgulho, entregando tudo na mão do Senhor da Banca, que passa a contar as moedas recebidas.
– Aqui só tem dois cruzeiros. Infelizmente não dá pra comprar nenhuma das duas.
O chão lhe foge aos pés. Como não dá pra comprar? E aquelas moedas todas, não são suficientes? E agora?
– Eu completo o pagamento, senhor. Pode dar a revistinha pra ele.
A voz familiar de sua mãe surge no momento decisivo, assim como sua presença mágica. Em meio a súbita alegria, mais perguntas: como ela chegou ali? Será que ela também é super poderosa? As perguntas, no entanto, logo lhe fogem ao receber a revista do Homem-Aranha das mãos do Senhor da Banca.
Fascinado, ele observa a capa ultra mega colorida da publicação, onde o herói, amarrado por cordas, se vê prisioneiro do seu arqui-inimigo, o Duende Verde, que gargalha loucamente.
– Vamos pra casa, filho? – diz a mãe, sorridente.
Ele acena positivamente com a cabeça ao tempo em que fecha os olhos; hora de se teletransportar.