Tivemos a nossa “guerra santa” no Ceará, ao tempo quando a Igreja, senhora de todos os poderes, mantinha sob estreito controle a política e o protetorado religioso sobre os cearenses.
É desta época a Liga Eleitoral Católica e a vigilância obsequiosa sobre as intenções políticas, quiçá ideológicas, da gente do lugar. Desta “Liga” que não era a hanseática, saiam às indicações dos bons cidadãos que poderiam ser votados e os maus, a serem esquecidos e lançados no rol dos proscritos.
O padre Helder formou-se neste fundamentalismo de fé que o fez integralista; os mesmos impulsos generosos que o levariam, anos depois, às revelações de Leão XIII, à pedagogia da libertação e aos testemunhos da dogmática marxista. Sempre um homem inspirado pela fé.
Na entrada de Juazeiro, uma enorme placa anunciava, por aqueles tempos de combativa catequese, que os juazeirenses já haviam sido evangelhizados e admoestava os protestantes contra qualquer tentativa de conversão.
Arcebispos enérgicos no trato da fé e das heresias, que encheram de ardor o espírito inquisitorial daqueles tempos, ampliaram a influência da Igreja contra a ameaça solerte da maçonaria e, depois, do comunismo demonizador.
O primeiro colégio não-católico do Ceará, do jovem bacharel presbiteriano, Edílson Brasil Soárez, sofreu um “para trás, protestantes!” veemente e convincente: padres e irmãs benévolas visitavam as famílias para as convencer a não matricularem os seus filhos no então Instituto 7 de setembro.
Foi fundado o jornal “O Nordeste” ao qual se referia o arcebispo dom Manuel da Silva Gomes com orgulho. E afirmava que gostaria, quando morresse, fosse enterrado e enrolado nas folhas de um jornal católico… A mídia católica controlava a palavra e a inspiração dos homens e das mulheres em uma sociedade temente a Deus e ao governo dos homens de boas famílias.
Dom Antônio de Almeida Lustosa, antístite de muitas, peregrinas e perenes virtudes, esparziu luz e fé pelo Ceará, pregando e escrevendo — em combate corajoso contra o comunismo. Assim como o faria o bispo-conde de Sobral, dom José Tupinambá da Frota, homem de ilustradas e imperecíveis revelações de fé.
Depois, vieram os jornais dissidentes, “O Ceará”, de Matos Ibiapina, o “Diário do Povo”, de Jáder de Carvalho, o “Democrata”, de Américo Barreira, e uma pletora de jornais politico-partidários para todos os gostos, persignações e disposições religiosas e ideológicas.
Hoje, as cousas mudaram. O cearense, amestrado pelas oligarquias, ao longo de 15 anos do Estado Novo do “dr. Pimentel”, e as que se seguiram, dominadas por um profundo sentimento de democracia, perdeu o jeitão jagunço, civilizou-se e abriu a sua sensibilidade para as complexidades da luta de classes o que lhe deu uma visão segura, embora ambígua, das suas conquistas cidadãs…
Surgiram, finalmente, curados velhos gravames e sólidas coligações de interesses, as oligarquias progressistas e pós-modernas. No rastro desta evolução, viriam a transmutação e a adaptação das velhas lideranças, dos conservadores acomodados ao progressismo de novas e dinâmicas oligarquias.
O Ceará mudou. Ou parece ter mudado… Modernizano-nos. Emburguesamo-nos convenientemente enquanto nos tornamos mais progressistas.