“A democracia são os políticos e as suas circunstâncias”, PEMN
A mentira, transformada em “fake news” nas águas do “new journalism”americano, tem suas raizes nas primeiras relações entre humanos, ainda no Éden. Noé mentiu e embriagou-se diante de testemunhas. Eva enganou Adão no lance da maçã e da serpente. Paulo mentiu no início incerto do seu apostolado. Pedro negou Jesus três vezes… Judas dissimulou e traiu. Pilatos lavou as mãos, antecipando o espírito do “centrismo” na política brasileira.
Maquiavel analisa a função da mentira no trato das questões de Estado e de governo. E o faz em escritos lapidares que ainda hoje confundem moralistas e servidores da ética e esta classe de oráculos de Delfos que são os cientistas políticos.
Portanto, vamos combinar. A mentira fez morada no centro de toda a atividade dos humanos sobre a Terra. A política está intrinsecamente associada à mentira e às artes da governabilidade.
Fenômenos decorrentes da função social e política da mentira estenderam-se tempo afora. Séculos, milênios, certamente. A mentira se impõe pelos seus atributos. É mais cômodo aceitar a mentira do que a verdade. A mentira tem mais de realidade, na medida em que a realidade é matéria prima da ficção.
O “post thrue” é a nova realidade que sociólogos e mentirólogos estudam com aplicação e sobre elas produzem teorias brilhantes sobre a mentira política, este poderoso mecanismo político, incontornável para o saudável governo das nações, dos homens e das mulheres.
Aceita a mentira como visão real do mundo e do futuro, no reino dos humanos, resta encarar as circunstâncias de maior gravidade que ameaçam a nossa sobrevivência — a “against reality”, a contrarrealidade.
“Fake news” é a reprodução alterada dos fatos. Ao contrário do jornalismo de origem, fiel à visão investigativa do repórter, a mídia, com a ampliação dos seus contornos empresariais, tornou-se um investimento material e financeiro de monta. Inevitável seria a associação de mútuo-auxílio e dependência entre o público e o privado, entre o Estado, a política e o mundo empresarial. Entre a verdade é a realidade.
Já a modelagem da “contrarrealidade” importa, de fato, na recriação do fato, na negação do que às fontes do poder do Estado (as instituições, os partidos e a mídia) interessam aos governantes e as classes do poder político. A construção da “against reality” é a negação do real, daquela realidade objetiva que tanto incomoda os poderosos.
“Fake news” é a negação do fato ou a apresentação de uma versão alternativa do real, na medida do interesse do observador.
A fábricação da “contrarrealidade” vai muito além: caracteriza-se pelo confronto da realidade com a versão que se lhe quer dar. Não nega o fato, antes, constrói uma visão própria das circunstâncias que o produziram. Desqualifica o fato, o real, com a contestação dos elementos de existência no qual ele foi produzido.
Identificar e destruir a “fake news” é tarefa simples: basta revisar as fontes e os testemunhos, as sentenças e os relatórios policiais e a segurança das matérias produzidas e veiculadas pela da mídia.
Desfazer uma construção a contrapelo da realidade, a recusa das evidências notórias mediante a contraposição de razões improváveis, são tarefas desafiadoras. As versões elaboradas reduzem paradoxalmente o peso da realidade e a tornam relativas aos olhos de quem já traz consigo a realidade que pretende enxergar…