A função política do mecenato do Estado e os intelectuais orgânicos

Há alguns traços que são comuns à cultura de muitos grupos sociais e nações organizadas.

Intelectuais lato sensu (categoria que envolve os que praticam profissionalmente a escrita, os artistas de todo gênero, esta gente bonita do teatro e espetáculos de variedade, jornalistas, enfim uma lista infindável que adoráveis pessoas que se presumem encarnar o talento que só a eles foi conferido — e, para fechar este círculo de vaidades adquiridas, veem-se arautos e juízes da verdade.

Desde que a revolução francesa pôs em circulação a categoria seletiva — “intelectual” — por obra e graça de Clemenceau e Zola, ser intelectual significa o privilégio conferido a algumas criaturas chamadas pelo talento. A muitos críticos ocorre, entretanto, tratar-se de uma postura social e política respeitada por cândida ingenuidade de fã deslumbrado ou por simples ignorância, comum nas sociedades do espetáculo.

O poder político é parte, talvez a mais distinguida, do show dos privilégios que é encenado como pano de fundo da força do Estado. O Estado é o espírito deste grande Woodstock de variedades, onde as pessoas vão em busca das suas energias esquecidas com protestos indigentes e entrega às catarses redimidoras de tanta alienação acumulada. É natural que os governos reforcem o seu mecenato para este circo animado de doces fantasias que tanta alegria traz aos brasileiros…

As exceções ao intelectual orgânico são, felizmente, mais brilhantes, no Brasil, quero honestamente crer. Este intelectual privado, “free lancer” da inteligência no mercado do talento, foge o quanto pode do mecenato do Estado e dos graciosos limites e controles que ele impõe.

O mecenato, seja qual ele for, exige contrapartida. E o seu preço tem o travo de empréstimo a ser pago com juros “políticos”.

Mas esta é outra questão.

O que importa, como decorrência da extração da raiz quadrada deste enigma (a legitimidade do mandato político do intelectual para falar em nome do povo) é fixar o óbvio. É um jogo interessante, porém inútil. A fama e o poder exercem uma incontornável sedução sobre o povo. No brilho destas constelações de “famosos”, façam o que posssm fazer no palco das ilusões, esta figura conquista lealdades fortes e afetivas. Representam, dizem os psicólogos, as energias que não dispõem e o que nunca terão em vida…

O canal mais eficiente de que o povo dispõe como parte do conjunto que vive em sociedade, são os canais de comunicação. Por esta via comum de aspirações coletivas rola a veiculação da sua opinião e da crítica inerente à cidadania. É lícito e desejável até que este processo complexo e árduo corra sem a intermediação da mídia-empresa ou de distintos cavalheiros  que, vindos de toga ou de borzeguins, pretendam substituir as vias regulares de manifestação da consciência de um povo — a sua representação parlamentar.

Aí, está, acabei de acordar uma grave questão — a da representação e do mandato — que dorme, com a nossa cumplicidade, desde a declaração da Independência.

Resolvemos por uma engenharia reversa a apuração de votos dos cidadãos prestantes. Mas fomos incapazes e reconhecidamente ineptos para tornar democrático o sistema de escolhas, nas instâncias partidárias e na legislação controvertida que rege a constituição dos partidos e dos recursos bilionários que alimentam esta enorme cadeia de interesses.

A urna eletrônica de última geração é, no Brasil, sob as vistas indulgentes de governantes consorciados, contemporânea ao sistema eleitoral que ignora a persistência dos “colégios eleitorais” e a “compra” de apoios parlamentares com a cobertura de uma moeda eleitoral-parlamentar de curso forçado , de padrão muito pouco republicano, aliás.

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.

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Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.