É impossível dizer o que sentem neste momento aqueles 62 bilionários que possuem mais riqueza acumulada do que 3,6 bilhões de pessoas, metade da população do planeta. O que você acha? Uma coisa talvez seja certa: eles devem estar preocupados com a atenção que passaram a merecer: alguém pode passar a ter ideias, coisa perigosíssima.
Décadas atrás, um economista de grande respeitabilidade propôs a criação do que o mercado chamou de Taxa Tobin (homenagem ao autor, James Tobin), uma ideia muito simples. Sempre que os capitais se movimentassem, no mercado financeiro, pagariam uma pequena taxa de contribuição, algo de valor igual ou inferior a um por cento da quantia de dinheiro movimentada. Isso daria um freio nos excessos de especulação e criaria um fundo monumental que poderia ter utilidade na estabilização do sistema e na solução de crises de liquidez e de dívida.
Pouco mais de dois anos atrás, o economista francês Thomas Piketty, no livro que provava cientificamente que os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, propôs “ um imposto mundial e progressivo sobre o capital, acompanhado de uma grande transparência financeira internacional. Essa instituição permitiria evitar uma espiral desigualadora sem fim e regular de forma eficaz a inquietante dinâmica da concentração mundial da riqueza”. A ideia é que o imposto permitiria identificar e controlar a nuvem de dinheiro que circula livre, leve e solta, provocando desequilíbrios aqui, ali e alhures, ou seja, onde bem quiser, onde e quando bem entender. Mas, fundamentalmente, Piketty queria por um freio e reverter a trajetória da desigualdade que ameaçará a democracia e o capitalismo (a dupla dinâmica que se estabeleceu há mais ou menos duzentos anos).
Você vê que os 62 superricos têm razão de se preocupar com as ideias. E com seu dinheiro.
O capitalismo tem uma lógica que não condena a acumulação. Quanto mais alguém lucra, mais esse alguém pode investir e (porque corre altos riscos) lucrar. Nesse processo, criam-se empregos e geram-se impostos, e todos ganham. Assim, a fortuna tem uma função social, porque o superrico permanece dando sua contribuição social.
O problema é que esse círculo virtuoso do capitalismo rompeu-se. Os capitais não querem mais correr riscos com investimentos em produção. Querem e preferem aplicar no mercado financeiro, com baixo risco e alto retorno. Adeus, círculo virtuoso.
Sem essa virtude, o que dizer das heranças: é justo que alguém receba uma enorme fortuna sem ter dado (nem pessoalmente, nem socialmente) uma contribuição para isso? A discussão vai se colocar e colocar em cheque as alíquotas da tributação de heranças (muito baixas na maior parte do globo).
Mas, a tributação de heranças é muito eventual.
A ideia alcança a própria riqueza (o capital, na proposta de Piketty) que não se lança no processo produtivo e de risco, e por isso socialmente inútil, egoísta, nocivo. Capitais parados, empoçados em instituições bancárias, num mercado completamente desregulado, isso não deve ser estimulado, deve ser desestimulado – essa é a questão que se coloca.
A desigualdade e a coesão social são a discussão do futuro. Ou melhor: a desigualdade é a discussão que o presente impõe, para evitar, no futuro, problemas com a coesão social. E isso, ao contrário do que possam sentir os bilionários, não é uma questão só de dinheiro.