A democracia desativada e a nova governabilidade: o pensamento político de Lula da Silva

A única novidade no terceiro governo Lula não é a aparição de Janja da Silva, socióloga orgânica e primeira dama. É a pauta de ideias eleita pelo presidente. Há evidência, suspeitas, bem a propósito, de que alguém do seu recolhimento ideológico, andou a ler Foucault e recitou-lhe algumas passagens desta nova dogmática da esquerda “progressista”.

Em termos culturais e de informação para um agente da revolução poderia ser uma notícia alvissareira. Para um chefe de Estado, um contra-ponto cheio de riscos, pelos tropeços teóricos e diplomáticos que poderia trazer aos negócios de Estado.

Conquanto lhe faltem as luzes de um curso nas Sciences-Po e no Collège de France, nem por isso viu-se privado o mais recente discípulo de Foucault das graves reflexões dos “governamentalIty studies”.

Nas suas interpelações dirigidas às poderosas lideranças europeias e americana, o nosso presidente apoia-se sobre as noções foulcaulteanas de “rationalité politique” e “gouvernementalité” e aponta o “neoliberalismo” e o “néo-conservatisme”como armas que o capitalismo, ou o que possa hoje significar este registro, deverá empregar para levar adiante a
“desdemocratização” da governamentabilidade das sociedades atuais.

A concepção de “gouvernementalité” que impregna o neoliberalismo, denunciam Foucault e Lula, em harmoniosa solidariedade, como nova revelação extraída dos anúncios de uma dogmática científica, nada tem do velho “lsissez-faire” liberal-capitalista de antanho. Ao contrário, o neoliberalismo, associado ao neo-conservatismo, são a fórmula ou o princípio ativo de uma política ativa de construção. Neste quadro de circunstâncias temerárias, vislumbram os dois insignes teóricos que a “classe dirigente […] não seja mais composta de homens da lei, mas de homens de negócios” *

Armado destas revelações, o nosso presidente lota dois aviões com políticos, ativistas e empresários e sai, mundo afora, em cruzada contra um “governamentação” a ser demolida e substituída pela força de governos progressistas em uma democracia centralizada na ordem legal de um
Novo Estado, cuja autoridade não flui da representação e do mandato, porém de uma forma atualizada do sovietismo, na qual o povo e os instrumentos de um governo constitucional são substituídos pelo poder esclarecido dos timoneiros de um novo mundo.

Resulta destas breves considerações a curiosidade de descobrir não mais os integrantes do gabinete secreto e do ódio, mas os feiticeiros discretos que desenvolvem estes experimentos teóricos — e ensinam o presidente a usá-los midiaticamente, valorizados por aquele gestual esquizoide que empolga a sua diligente militância.

* Wndy Brown – “Les habits neufs de la politique Mondiale (neoliberalisme et néo-conservatisme). Les prairies Ordinaires, Paris, 2003.

Paulo Elpídio de Menezes Neto

Cientista político, exerceu o magistério na Universidade Federal do Ceará e participou da fundação da Faculdade de Ciências Sociais e Filosofia, em 1968, sendo o seu primeiro diretor. Foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e reitor da UFC, no período de 1979/83. Exerceu os cargos de secretário da Educação Superior do Ministério da Educação, secretário da Educação do Estado do Ceará, secretário Nacional de Educação Básica e diretor do FNDE, do Ministério da Educação. Foi, por duas vezes, professor visitante da Universidade de Colônia, na Alemanha. É membro da Academia Brasileira de Educação. Tem vários livros publicados.

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