A democracia deitou no divã

 

O segundo turno chegou, vivemos no país das Fake News, dos Deep Fakes, onde antes de acordarmos já recebemos uma enxurrada de vídeos, memes, caretas criativas de todos os lados: o coelho saiu da cartola. Um país inflamado, uma corrida assustadora para definir quem vai ser o presidente do nosso país, e mesmo sendo quem nos representa ou não, será o presidente de todos.

No país tropical está difícil conversar, estamos vivendo um momento político de troca de ataques numa democracia que padece por muitos não conseguirem enxergar no que de fato está por trás desta polarização instalada, que não abre espaço para estabelecermos um diálogo instrutivo que deixa como consequência uma ruptura sem espaço para pensarmos no programa do governo, algo que parece morar no “reino do secundário”, ferramenta inexistente no “reino do absurdo”: estamos num momento de muita confusão.

A operação da democracia em consonância com a existência tirânica cria um discurso que dificulta o exercício da troca. Sofremos com a ausência do pensamento onde a constituição do sujeito tem seu papel participativo diante da experiência, num diálogo que permanece sem espaço para exercermos o papel construtivo democrático, e os atos segregativos ficam polarizados numa lógica baseada na subtração e na divisão: nosso país padece.

Se as conversas de WhatsApp e Telegram falavam pouco das propostas dos candidatos durante o primeiro turno, existindo somente para troca de farpas, na corrida para o segundo turno a escala do debate político desceu a ponto de estarmos diante de uma situação insustentável e caótica, num momento onde discutir o programa do governo seria uma ferramenta fundamental e determinante: no debate ninguém responde ninguém.

A democracia perde quando, em vez de cada um falar, permanece no funcionamento de massa, apagada num único ideal e líder, sem equidade, anulada pela palavra que se diz voto.

A ambivalência coexistente na relação com o mesmo objeto de tendências, estado ou condição do que apresenta dois valores de sentidos opostos, atitudes e sentimentos, amor e ódio, cria rupturas quando não integrados diante da constatação de sermos portadores de ambos os sentimentos, estes que necessitam serem integrados para serem transformados em algo mais compatível com o modelo humanitário e democrático.

Se este pensamento procede, a psicanálise permanece atrelada a eficácia de sua interpretação, ligada a história, a filosofia e a antropologia. Teríamos então a difícil tarefa de pensar em que tipo de democracia, ou seja, que tipo de política podemos pensar de forma a reverter de modo sincrônico estas conexões: o narcisismo, o prazer sem pensar na realidade, o diálogo disfórico, enxergarmos além do espelho.

A democracia deveria ser um ato constitutivo que cria laços, compromissos, e promessas a serem cumpridas.

Seja quem for o vencedor, este terá que dialogar com a democracia, ou seja, com outras teorias de pensamento. E diante desta evidência, nos cabe colaborar para que o exercício do respeito e das diferenças se concretizem cada vez mais: mais diálogo, menos fake news, menos ataque, mais trocas: a democracia agradece, e quem sabe a partir de então ela poderá receber alta do divã.

Este texto foi escrito ao som da música “Sir Duke” (Stevie Wonder).

Claudia Zogheib é responsável pelas páginas Cinema e Arte no Divã, Auguri Humanamente. Psicóloga Clínica, Psicanalista, especialista pela USP- Departamento de Psicologia.

www.claudiazogheib.com.br / www.augurihumanamente.com.br

 

 

 

 

Claudia Zogheib

Claudia Zogheib é Psicanalista, Psicóloga Clínica, especialista pela USP- Departamento de Psicologia. responsável pelas páginas Cinema e Arte no Divã, Auguri Humanamente www.claudiazogheib.com.br / www.augurihumanamente.com.br

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