A copa do mundo, a olimpíada, o SUS e a cura do complexo de vira-latas, por Osvaldo Euclides (serviço público de qualidade XXX)

É possível que haja pouca fé e alguma desconfiança sempre que alguém fala de luta por direitos e de conquistas democráticas. Essas vitórias, por alguma razão, costumam ser pouco lembradas, pouco valorizadas, às vezes até depreciadas. De outro lado, as frustrações e os maus exemplos no jogo dos acontecimentos da vida pública são diariamente noticiados e comentados à exaustão. Certamente,isso não é natural e espontâneo, muito menos inconsequente, alguém planeja, executa e ganha com isso.

Esta observação sobre direitos e conquistas é necessária porque essa sequência de textos sobre serviços públicos de qualidade não tem a intenção nem a meta de depreciar ou diminuir a dimensão vital e o papel decisivo que a máquina pública tem na vida do país e na qualidade de vida de cada um de seus cidadãos. Na verdade, a intenção e a meta são exatamente lembrar, valorizar, chamar a atenção de todos para o serviço público.

Os brasileiros lutaram para ter uma Constituinte, e a tiveram. A Constituição de 1988 foi um avanço e entre as inúmeras mudanças e possibilidades da nova Carta, uma é talvez a maior, pelos efeitos diretos que tem e pode ter na qualidade de vida da imensa maioria da população.

Trata-se da declaração de que a saúde é um direito de todos e um dever do Estado, e que cabe ao Estado organizar um sistema de atendimento universal, integral, público e gratuito. Avanço, conquista, é pouco de se dizer, foi uma ousadia, um atrevimento espetacular, considerando-se como o parlamento tem sido conservador na concessão de benefícios aos mais pobres.

Dois anos depois, em 1990, a lei regulamentava o dispositivo constitucional e nascia o SUS – Sistema Único de Saúde, hoje com 26 anos de idade. Ele é universal e integral, ou seja, tem que atender a todos e em todos os aspectos (do atendimento ambulatorial ao transplante) e em todo o território nacional. Dizem que inspirou-se no exemplar modelo inglês, criado no entusiasmo da implantação da política do bem-estar social (1948), imediatamente após a vitória na Segunda Guerra.

O SUS é uma conquista do povo brasileiro, articulada na constituinte por brasileiros eleitos por brasileiros, sensíveis e comprometidos com brasileiros, sonhadores e lutadores atrevidos, que certamente tiveram de atropelar todo tipo de limite e restrição que lhes quiseram impor os mais competentes lobbies acostumados a puxar para sua sardinha a brasa do orçamento público.

É claro que o SUS talvez fosse impossível, mas o que é a política se não a forma de “tornar possível amanhã o que parece impossível hoje”? Foi o que fizeram esses homens públicos especiais. É claro que o SUS continua a ter adversários que continuam a declará-lo impossível e tentam acostumar a população com um serviço público precário e de baixa qualidade. Isso não se pode deixar acontecer. É claro que não há recursos no orçamento público para fazer um SUS perfeito e exemplar, mas isso não deve desmobilizar ninguém, n-i-n-g-u-é-m, é preciso tentar e caminhar nessa direção.

O Brasil tem uma lição para dar ao mundo – não se trata de mostrar que é capaz de realizar uma copa do mundo de futebol e uma olimpíada, isso é fácil, qualquer um faz.Trata-se de mostrar que pode vencer o atraso e a si próprio, superar a baixa autoestima e ir além, transformando-se numa referência de sociedade moderna, justa e capaz de respeitar cada um de seus mais humildes e simples cidadãos e prestar-lhes serviço de qualidade na hora em que eles estão mais frágeis.

Que seja o SUS em algum momento do futuro um orgulho de todos e de cada um dos brasileiros. E que comecemos a melhorá-lo já.

Eis uma maneira de acabar de uma vez por todas com o velho complexo de vira-latas.

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