Eu sabia que existia e sabia também que estava passando o melhor período da vida (depois dos 40, não é aqui que a vida realmente começa?) durante a geração do grotesco. Falo em termos de arte, mais precisamente em termos de arte musicais, tocada e cantada.
Como eu disse, eu sabia que existia, afinal é questão de ofício estar bem informado. O que é um jornalista que não sabe o que se passa no mundo? O que é um professor em sintonia com teorias e mais teorias? Sendo ambos e por isso sabedor do que nos ronda, me deparei com a concreta arapuca armada pelo circo televisivo das tardes de domingo da modernidade líquida (Bauman). Sim, não bastava saber, era preciso viver a queda ardilosamente preparada para aprisionar na vala as mentes e os corações da população. E perguntam o porquê da sociedade estar tão mal?
Por motivos de força maior – estava comemorando a Santa Páscoa num almoço fora de casa – acabei assistindo por alguns minutos a programação dominical televisiva. Bom… Não, mal… Quer dizer… O que era aquilo?! Aplausos? Apresentador enaltecendo a arte de cantar? Cantar? Daquele jeito, com aquela expressão corporal e sob aquilo que chamaram de… de… de música?! E a letra? Letra?! Não! A ausência dela, numa perfeita sintonia entre grunhidos, batidas sem sentido harmônico e mensagem (corpo e voz). Se o meio é mesmo a mensagem, ambos, daquilo que aparecia na TV, se completavam numa retroalimentação de mau gosto insuportável.
Chega. Basta! Não aceito mais isso! De hoje em diante vou militar no politicamente incorreto – de novo! – mas agora na área musical. Sim, é isso aí. Mas, não é como um bom jornalista – que acredito que sou – que vou informar a saída e nem como bom professor – que acredito: também sou – que vou ensinar a saída para essa mazela cultural, social, moral e de costumes. A descontaminação para esta geração – a de ontem de hoje e de amanhã – é a seresta.
Sim, estou escrevendo sobre aquele gênero – aqui cabe este termo e não em substituição ao sexo humano; mas isso é outra história! – “surgido no século XX, no Brasil, para rebatizar a mais antiga tradição de cantoria popular das cidades: a serenata” A citação é da Wikipedia (rechaçada bestamente por acadêmicos), que achei bonitinha e por isso citei-a. Esta é a saída à lá maniere brésilienne: a seresta. Perdoe a frasezinha em francês. É que também achei bonitinha e chique. Mas, é aqui, na seresta, que a alma da gente foi moldada, lá atrás, quando Sérgio Buarque de Holanda escrevia sobre ele, o brasileiro cordial, o mesmo que escutava, cantava e tocava serestas.
Se alguém duvida que a música – e outras artes – podem ajudar a moldar comportamentos (alma: vontade e a luz natural da razão), que vá estudar. A serenata vai voltar e vai cavar bem fundo até chegar novamente à alma verdadeira do brasileiro, que não é a que a mídia e o entretenimento alimentam, hoje.
Deixa ver, pois agora vou ali, cavoucar antiguidades (não velharias), dar um lustre nelas e botá-las para tocar. Vou separar repertório (já separei!), conseguir uma alma boa (olha ela de novo aí) que não deseje estar nos programas dominicais, mas que aspire, como eu, a tocar seu instrumento de cordas ou de teclas, onde o salário será um só: elevar e não afundar costumes que já foram tão caros para nós. Eis um servir ao Cristo no próximo. Estamos na Páscoa, lembra?
ps.: claro, se rolar um dim-dimzinho no final, ninguém vai brigar!