Amnésia: E o refino do cinema como montagem

O cinema narrativo cujas linhas gerais guiam-se por traços de psicologismo é uma das principais referencias na obra de Christopher Nolan. Em seus primeiros trabalhos, como o curta Doodlebug (1997), o surrealismo foi uma vertente aperfeiçoada, a posteriori, em outros projetos que uniam o thriller e o filme policial. Assim, nascia o curta-metragem Folowing (1998) e dele, o enigmático e pulsante “Amnésia” (2000).

Após tentar salvar a esposa de um assassinato, Leonard (Guy Pearce) sofre uma lesão cerebral que afeta o funcionamento da sua memória de curto prazo. Por não conseguir lembrar dos eventos que decorrem após o crime, ele recorre a um sistema de anotações por meio de fotografias e monta um esquema cujas pistas o levarão a encontrar o assassino.

É interessante pensarmos o filme como uma representação do que seria o cinema como montagem. Ou o recorte das imagens cuja união é a responsável pelo tom que a obra encerra. E em seu primeiro longa-metragem, Nolan trabalha bastante com uma ideia dessa cinematografia que toma o princípio da técnica de colagem dos anos 1920 aliada à narrativa contemporânea fragmentada e que se apresenta de “trás para frente”.

Assim, o clássico e o contemporâneo se juntam na abertura de novas possibilidades em termos de narratologia cinematográfica. Mas começando pela sua forma, Amnésia traz muito da estética do cinema policial e da atmosfera noir, com sua fotografia parte em preto e branco, parte colorida e estrutura quase capitular. Isso porque o longa parte do texto, o conto do roteirista Jonathan Nolan. Essa construção, no entanto, segue um parâmetro não-convencional, justamente por ser apresentada do último take para o primeiro.

O rompimento com a estrutura clássica ocorre dai. A primeira sequência que vemos na tela é o desfecho da estória. O desenvolvimento dos fatos a partir daquele ponto é o que mantém a curva dramática em ascendência. Até entendermos como a trama se desenrolou de modo a nossas personagens chegassem naquele momento da narrativa.

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Amnésia traz muito da estética do cinema policial e da atmosfera noir, com sua fotografia parte em preto e branco, parte colorida e estrutura quase capitular

É interessante pensarmos esse trabalho como o primeiro e último de Nolan com uma estrutura tão enxuta. Nele, as elipses são empregadas de um modo que o diretor certamente não fez uso em seus projetos posteriores. O resultado é uma dinâmica que garante um ritmo bastante fluido no filme. E em 1 hora e 43 minutos, o diretor conta tudo o que sentimos que a obra pode nos dizer.

Aqui, estamos diante da questão da metragem e de quanto ela define o fílmico tanto em forma quanto conteúdo. Porque dificilmente o fato de o filme ter 3 horas de duração é aquilo o que assegura sua qualidade. A própria filmografia de C. Nolan é exemplo disso. Em Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2013) ou o recente é badalado Interstelar (2015), notamos que as mesmas elipses que garantiram o refino de Amnésia são negligenciadas, tornando aqueles outros trabalhos muito mais cansativos e até previsíveis em suas 2 horas e 47 minutos de duração, em média.

E o que discutimos em Amnésia é essa “aura”, sempre benéfica, em torno do cinema independente. E em como suas particularidades – o baixo orçamento é uma delas – potencializam o traço criativo das obras. Seja por aquilo o que a equipe pode fazer de melhor com recursos limitados; seja por outros fatores, como o foco que se volta para a atuação dos atores e suas performances dentro da estória ou do modo como o roteiro original expande as perspectivas da abordagem conteudística e de técnica cinematográficas.

 

FICHA TÉCNICA

Título Original: Memento

Gênero: Thriller, Drama, Ação

Tempo de duração: 113 minutos

Ano de lançamento (EUA): 2000

Direção: Christopher Nolan

 

Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.

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Daniel Araújo

Crítico de Cinema, Realizador Audiovisual, e Jornalista.