A chamada Música Popular Brasileira – MPB – certamente que junto com o futebol, são duas manifestações culturais que colocaram o Brasil no mapa mundial.
Coube a Carmem Miranda, que nasceu em Portugal, mas chegou ao Brasil com sua família de imigrantes portugueses com alguns meses de vida fixando-se no Rio de Janeiro absorver a brasilidade musical do início do século XX e se tornar uma estrela nacional e depois internacional da nossa música.
Antes restrita aos salões com saraus musicais para a elite com músicos tocando seus instrumentos sem qualquer recurso tecnológico e de modo presencial; às serenatas; aos cinemas mudos orquestrados; aos coretos em praças públicas; ou aos batuques afro-brasileiros de terreiros, com o surgimento do disco e do rádio, a música obteve difusão nacional e tomou novos ares.
É conhecida a história diversas vezes contada em entrevistas pelo grande Orlando Silva, o cantor das multidões, que no começo da carreira, sem ter a dimensão do seu sucesso fora do Rio de Janeiro, veio à Fortaleza para um show, e surpreso, foi convidado à cabine do avião que o transportava para conceder uma entrevista para uma rádio da cidade.
A inusitada entrevista, feita do ar para a terra, foi ouvida em toda a cidade, e nela foi informado que Orlando Silva se hospedaria no Hotel Excelsior. Ao chegar ao hotel já lhe esperava uma multidão na Praça do Ferreira, e ele foi levado às janelas que davam frentes para a Praça e, encantado com o carinho popular, acenou para a multidão. Dizia ele que em Fortaleza foi o primeiro momento que ele viveu desse tipo, que se repetiria Brasil afora.
Mas é das vozes femininas que queremos falar.
Assim, selecionamos, ao nosso gosto, 16 vozes femininas da música, que se firmaram a partir dos discos e do rádio (hoje com novos modos de divulgação bem mais sofisticados) como grandes nomes da MPB, e que embalaram melodicamente as nossas vidas.
A primeira voz feminina a obter destaque surgiu juntamente com a difusão radiofônica que possibilitou o conhecimento em larga escala das nossas músicas foi ARACY DE ALMEIDA, grande intérprete do compositor Noel Rosa, autor de sambas antológicos que até hoje são cantados, ainda que datem de mais de 90 a 100 anos. A música “Último Desejo”, de Noel, ganhou fama nacional na voz de Aracy.
Quase que simultaneamente surgiu o fenômeno CARMEM MIRANDA que interpretando a música “Taí”, de Joubert de Carvalho, nos anos 30, firmou-a como o primeiro grande “hit” brasileiro, chamando a atenção da mídia radiofônica e do mercado de discos e shows dos Estados Unidos, para onde se transferiu chegando a ser a artista de maior valor de contratação daquele país. Carmem se tornou um fenômeno mundial de sucesso a partir daí ganhando espaço na televisão incipiente e no cinema falado.
A “pequena notável” com seus trejeitos e simbologia da brasilidade tropical fez escola aqui e alhures.
A cena musical feminina dos anos 40 ganhou uma intérprete com voz inconfundível: DALVA DE OLIVEIRA, o rouxinol do Brasil. Casada com o compositor Herivelto Martins, obteve grande sucesso com a música “Segredo”, de autoria deste, de quem posteriormente se separou de modo tumultuado, que inclusive serviu de mote para grandes sucessos abordando a separação do casal. A música “Bandeira Branca” obteve sucesso nacional na voz de Dalva de Oliveira.
Os dois são os pais de Peri Ribeiro, o primeiro intérprete de “Garota de Ipanema”, de Tom Jobim e Vinicius de Morais.
ANGELA MARIA, uma operária do subúrbio do Rio de Janeiro, certo dia, incentivada por suas colegas de fábrica, apresentou-se num Programa de Calouros para se tornar. Imediatamente, uma das vozes musicais femininas mais marcantes do Brasil.
Getúlio Vargas tinha grande admiração por Ângela Maris a quem o Presidente Getúlio Vargas alcunhou com o epíteto de “sapoti”, por sua cor e doçura, dominou a cena musical dos anos 50 no nosso país e se manteve conhecida por toda a vida, tendo inclusive, anos depois, emprestado sua voz à tocante música “Gente humilde” de Choco Buarque de Holanda.
Consta que aqui no Ceará, a nossa Ayla Maria teria sido proibida por seu ex-marido Armando Vasconcelos, apresentador de televisão, de cantar a música “Babalu” emblemática de Ângela, por conta da sensualidade que ela encarnava.
Ayla fez sucesso no rádio cearense e até no teatro e anos depois fez dupla com o cantor Raimundo Arraes, ambos com grande prestígio.
ELZA SOARES é a representante mais destacada da voz negra no Brasil, com seus recursos jazzísticos aplicados ao samba. A sua interpretação da música “Se acaso você chegasse”, do grande compositor gaúcho Lupicínio Rodrigues, é um belo exemplo de sua capacidade vocal e foi indispensável de ser cantada em seus shows ao longo de sua carreira.
Elza Soares foi uma guerreira na vida. Ainda adolescente, apresentou-se no programa de rádio e auditório de Ary Barroso para cantar. Com um jeitão de refugiada de guerra, Ary lhe perguntou de onde ela vinha, ao que respondeu: “do Planeta fome, que o senhor não conhece”. Depois de cantar foi aplaudida de pé, tanto pela voz como por seu conteúdo de rebeldia de sempre.
Foi elogiada por famoso Louis Armstrong por sua voz negra jazzística inigualável. Sofreu um preconceito dos diabos de ter se juntado à Garrincha, alegria do povo e pai de imensa prole, de quem teve um filho que morreu ainda jovem num acidente de carro. Superou tudo com o talento e a força de uma leoa que era.
ELIZETH CARDOSO, a divina, foi uma das musas da bossa nova no seu início, como se constata com a música “Rua Nascimento e Silva, 107”, “Chega de Saudade” e “Canção do Amor Demais”.
Dona de uma voz maravilhosa e suavemente eloquente, ela teve como carro chefe a música do nosso Elano de Paula, irmão do Chico Anísio, intitulada “Canção de Amor”. Carioca da zona norte, de origem humilde, seu sucesso se estendeu mundo afora e até ao Japão, onde fez shows, entre outros países europeus.
DOLORES DURAN, cantora e compositora, outra da periferia carioca, foi desenganada pelos médicos ainda na infância que lhe prognosticaram uma vida breve por conta de cardiopatia grave. Enfrentou tal perspectiva com altivez e como se Deus quisesse recompensá-la, deu-lhe uma voz dos Deuses.
É uma das poucas cantoras que compunham à época. Consta que Tom Jobim mostrou a Vinicius de Morais a melodia de uma música para que ele fizesse a letra e lhe desse o título. Dolores, que estava no estúdio, ouviu-a, e com um lápis de pintar sobrancelhas, escreveu a letra e mostrou a ambos, que encantados, adotaram-na na mesma hora sob o título de “Estrada do Sol”, que se tornou um clássico da MPB.
Foi casada com o arquiteto e compositor Billy Blanco, paraense radicado no Rio de Janeiro, de quem recebeu a música “A banca do distinto” composta a partir de relato de Dolores sobre um cliente da boate onde cantava, que arrogante e gastador recebia do dono do estabelecimento mesa da frente e privilégios incômodos. A música se tornou um sucesso e o tal do ricaço, do alto de sua ignorância, não se tocava que era uma crítica a ele e à sua prepotência.
Aos 29 anos nos deixou por conta dos problemas cardíacos, mas a tempo de nos deixar, também, um legado musical imortal.
MAYSA MATARAZZO, a rainha da dor de cotovelo, teve uma vida tumultuada e nos deixou precocemente, aos 40 anos. Além de expressiva voz e beleza física, era grande compositora.
Capixaba de nascimento, filha de tradicional família política do Espírito Santos (os Monjardins), veio a casar no seio da elite industrial paulistana com André Matarazzo e abdicou da vida de socialite pela vida artista, não aceita pelo marido, de quem se separou. O conhecido diretor de programas de televisão e cinema Jayme Monjardim Matarazzo é filho do casal e neto do famoso industrial Conde Francesco Matarazzo.
Fez sucesso internacional com o estilo de música de “fossa” com a qual se identificava. Suas composições “Ouça” e “O Meu mundo caiu” são clássicos do MPB e, portanto, imortais. Maysa foi também musa da fase inicial da bossa nova interpretando o clássico “Eu sei que vou te amar”, de Tom Jobim e Vinicius de Morais.
(essas são as primeiras oito cantores. continua na parte II)
Dalton Rosado.
Uma resposta
A dita MPB precisa ser avivada, principalmente na voz de tantas estrelas que marcaram épocas e a vida de muitos apaixonados. As cantoras do passado se distinguiam dos cantores não apenas pelas vozes, mas pelo repertório sensível e ousado para um tempo de domínio do homem nas rádios e na TV em seu nascedouro.