Pré-leitura do livro ´Sobre o Autoritarismo Brasileiro´, de LILIA SCHWARCZ – por Osvaldo Euclides

A AUTORA

Escritora e antropóloga paulista nascida em 1957, Lilia Moritz Schwarcz é professora titular da USP e professora visitante da Universidade de Princeton (EUA). Recebeu o Prêmio Jabuti de Literatura duas vezes e suas obras mais recentes foram  “Brasil: Uma Biografia” e “Lima Barreto: Triste Visionário”.

A PUBLICAÇÃO

O livro ´Sobre o Autoritarismo Brasileiro”, de Lilia Moritz Schwarcz, foi lançado em 2019 pela editora Companhia das Letras, com 273 páginas e teve sua primeira edição rapidamente esgotada.

CIRCUNSTÂNCIAS

Em 2014, Lilia Schwarcz publicou com Heloisa Starling o livro ´Brasil, Uma Biografia´, extensa e profunda pesquisa. Nos anos seguintes, a política dá voltas e cambalhotas para derrubar um governo e jogar o país numa crise cada vez mais funda. Uma agenda econômica radical, que não foi nem votada, nem debatida, é imposta aos brasileiros da base da pirâmide pelo andar de cima. É nesse quadro de violência que a autora saca dados e trechos da “Biografia” e atualiza com artigos mais recentes para explicar o autoritarismo brasileiro.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

A história e a sociologia sempre apresentaram aos brasileiros uma narrativa preponderante que mostrava um Brasil tolerante, cordial, sem preconceitos, integrado. À medida que o tempo passa e os fatos se desdobram na realidade cotidiana e que pesquisadores mergulham no passado, descobre-se um outro país – dividido, intolerante, desigual . Há preconceitos de todo tipo, eles estão arraigados, a desigualdade cresce e os torna violentos.

E a cada dia fica mais claro que a velha narrativa não era ingênua, ela se fazia a partir de interesses, para proteger esses interesses específicos. A verdade foi evitada, contornada, suavizada, como se o objetivo de manter uma população inteira desinformada e inconsciente fosse o principal, o único.

Este livro junta-se a alguns poucos outros na tentativa de trazer a verdade à tona.

O LIVRO

O livro Sobre o Autoritarismo Brasileiro está estruturado em oito capítulos principais. Cada um deles aborda um dos elementos que constituem a raiz histórica da natureza autoritária da sociedade. Sobre cada um deles cresceu e prosperou a tragédia que, o livro lembra bem, nos dias atuais se tornou mais evidente, quase uma fratura exposta.

A escravidão e o racismo não foram negados, mas foram suavizados, criando-se uma visão quase romântica duma miscigenação exemplar. O mandonismo vem de longe, e permanece numa estrutura de proprietários, de coronéis e de poderosos que comandam o dinheiro próprio ou dos orçamentos públicos, a justiça e até as igrejas. O patrimonialismo continua impávido, apenas maquiado e embalado num discurso tecnicista. A corrupção é a prática secular que une os pontos, as pessoas e as ideias. E, conforme a necessidade ou a conveniência, é convocada a ser usada para uma ou outra purificação farisaica. Seguem-se a desigualdade social, a violência, as questões de raça e gênero e a intolerância, todos juntos num caldeirão que, tudo indica, nunca vai explodir, por mais que aqueça.

INSIGHTS

“A história costuma ser definida como uma disciplina com grande capacidade de “lembrar”. Poucos se “lembram”, porém, do quanto ela é capaz de “esquecer”.

“Nas palavras de Florestan Fernandes, o brasileiro teria “uma espécie de preconceito reativo: o preconceito contra o preconceito”, uma vez que preferia negar a reconhecer e atuar.”

“Afinal, muitas vezes é mais fácil conviver com uma falsa verdade do que modificar a realidade”.

“A percentagem de analfabetos no ano de 1900 chegava a 75% da população, segundo o Anuário Estatístico do Brasil”.

“A história da educação no Brasil não se assemelha a uma via ascendente e progressiva”

“Quanto menor o índice de escolaridade, maior a aposta  em soluções autoritárias e pouco afeitas ao diálogo”.

“A sociedade deste país de longa convivência com a escravidão e com grandes domínios rurais privados preservaria, mesmo na contemporaneidade, uma espécie de ritual nacional de oposição às distâncias sociais, de gênero, de religião, de raça, quando na prática e no cotidiano as reitera.”

“Quando se trata de enfrentar a desigualdade, não há saída fácil ou receita de bolo macio”.

IDEIAS CENTRAIS

“Para referenciar a coerência da filosofia que inaugurou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (criado em 1838), basta prestar atenção no primeiro concurso público por lá organizado. Em 1844, abriam-se as portas para os candidatos que se dispusessem a discorrer sobre uma questão espinhosa, desta forma elaborada: “Como se deve escrever a história do Brasil”. A ementa era direta, não deixava margem para dúvidas. Tratava-se de inventar uma nova história DO e PARA o Brasil”.

“E, por aqui, a história do dia a dia costuma sustentar-se a partir de quatro pressupostos tão básicos como falaciosos. O primeiro deles leva a supor que este seja, unicamente, um país harmônico e sem conflitos. O segundo, que o brasileiro seria avesso a qualquer forma de hierarquia, respondendo às adversidades sempre com uma grande informalidade e igualdade. O terceiro, que somos uma democracia plena, na qual inexistiriam ódios raciais, de religião e de gênero. O quarto, que nossa natureza seria tão especial, que nos asseguraria viver num paraíso. Por sinal, até segunda ordem, Deus (também) é brasileiro.”

“Fazia parte do “cabedal de um senhor”, ainda, cuidar de todos aqueles que o rodeavam e suprir-lhes. Era desse modo que proprietários ampliavam seus deveres, mas também acumulavam direitos. Enrijecia-se, pois, uma sociedade marcada pela autoridade do senhor, que a exercia cobrando caro pelos “favores” feitos e assim naturalizava o seu domínio. Capital, autoridade, posse de escravizados, dedicação à política, liderança diante da vasta parentela, controle das populações livres e pobres, postos na igreja e na administração pública, constituíram-se em metas fundamentais desse lustro de nobreza que encobria muita desigualdade e concentração de poderes.”

“Falando em modelos, durante todo o período colonial foi criada e difundida uma série de “manuais”, que ofereciam aos senhores sugestões sobre como criar cativos, reprimir aqueles insurretos ou ampliar a reprodução de escravos. Esses pequenos livros, que por vezes continham imagens, circularam entre as Américas e o Caribe, constituindo-se numa espécie de tecnologia do exercício da autoridade senhorial.”

“O Instituto Brasileiro de Ação Democrática (Ibad) funcionava no Rio de Janeiro desde 1959, articulado com a Agência Central de Inteligência (Central Intelligency Agency, CIA) norte-americana. O Ibad deflagrou uma operação ilegal de grande porte, despejando uma avalanche de dinheiro para o financiamento de 250 candidatos a deputados federais e de seiscentos deputados estaduais, além daquela de oito candidatos a governadores – uma ilegalidade sem tamanho, de acordo com a lei eleitoral em vigor, que proibia o financiamento externo de campanhas. Os recursos provinham de empresas multinacionais ou associadas ao capital estrangeiro e de fontes governamentais dos Estados Unidos…”

“O fenômeno da desigualdade é tão enraizado entre nós que se apresenta a partir de várias faces:  a desigualdade econômica e de renda, a desigualdade de oportunidades, a desigualdade racial, a desigualdade regional , a desigualdade de gênero, a desigualdade de geração e a desigualdade social, presente nos diferentes acessos à saúde, à educação, à moradia, ao transporte e ao lazer”.

Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.

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Osvaldo Euclides de Araújo

Osvaldo Euclides de Araújo tem graduação em Economia e mestrado em Administração, foi gestor de empresas e professor universitário. É escritor e coordenador geral do Segunda Opinião.