Quando Marx e Engels escreveram, ao fim do Manifesto de 1848, o chamado “Proletários de todos os países, unam-se!”, este não era um plano a ser realizado, mas já expressava uma experiência em ato. As revoluções do primeiro semestre de 1848 – a “primavera dos povos” – foram antecedidas por repressões em cada um dos países implicados (França, Alemanha, Bélgica, Rússia etc.), que deslocaram operários e artesãos, mais ou menos intelectualizados, de um país para outros. Eles se organizavam em pequenos grupos (de umas dezenas de membros de diversas nacionalidades), faziam caixinhas de solidariedade aos exilados, faziam contatos uns com os outros.
Aquele sentimento de aprovação moral à revolução francesa que Kant identifica em homens de diversas nações se manifestava aí, um pouco em continuidade, um pouco modificado pelas novas condições de vida e pelos móveis de luta. Aliás, durante muito tempo – as primeiras décadas dos oitocentos – os grupos operários se inspiraram na revolução francesa e alguns se pensavam como continuação do comunismo ali nascido, expresso pela Conspiração dos Iguais, de Graco Babeuf. Importância semelhante no imaginário revolucionário tinham os niveladores (levellers) e escavadores (diggers) ingleses, do século XVII. Esses grupos proletários do XIX tinham essa dupla face de Janus, ligando o passado mais próximo (ou que tornavam próximo de si em gesto) a um sonho de futuro, assim como eram profundamente internacionalistas. Por isso, as revoluções de 1848, ao mesmo tempo que desfizeram esses grupos no formato em que existiam, como grupos fechados, conspirativos, mantiveram deles, e talvez o tenham ampliado, seu sentimento internacionalista e histórico.
Menos de duas décadas depois, proletários europeus estavam lá, aos milhares, atravessando o Atlântico para combater na Guerra Civil norte-americana. Ao mesmo tempo, o movimento socialista europeu acompanhava dia a dia, notícia a notícia, o desenrolar da guerra: “O trabalho de pele branca não pode se emancipar onde o trabalho de pele negra é marcado a ferro”. Os trabalhadores ingleses se negavam a desembarcar o algodão que ia do Sul dos EUA e os operários, nas fábricas, recusavam-se a trabalhar com eles.
Me vêm à lembrança muitos outros gestos de internacionalismo: das minorias radicais alemãs, que foram dar com as costas na cadeia porque se negaram a apoiar a primeira guerra mundial, à solidariedade internacional em defesa da vida e da liberdade da menina Anita Leocádia, filha de Prestes e Olga, esta já assassinada em câmara de gás, enquanto a criança ainda permanecia nas mãos dos nazistas.
Mas agora há outras imagens, tão belas, tão fortes, e talvez mais urgentes. Bem recentemente, a dos trabalhadores italianos que se negaram a embarcar material bélico para o governo ucraniano e os milhares (talvez para mais de uma dezena de milhares) de russos presos por denunciarem e lutarem contra a invasão à Ucrânia e contra a guerra de ocupação. Dois momentos, dois gestos, duas imagens que dizem que não querem se matar uns aos outros. Não são maiorias em seus países (as maiorias possivelmente apoiem um ou outro lado da guerra), mas mantêm aceso o velho sentimento de humanidade e de solidariedade de classe dos trabalhadores do passado. E por isso – como por outras ações, as de solidariedade aos palestinos, por exemplo – é que não é ideológico, não é ilusão da consciência, não é uma antecipação do desejo ao real, dizer ainda: “Proletários de todos os países, unamo-nos!”.
Viva o 1º de maio! Pelo fim das guerras!