Foram os generais que deram o outro golpe, em 1964, que criaram a aposentadoria rural. Mostraram-se sensíveis ao drama de milhões de caipiras e sertanejos que, enquanto a idade e a saúde deixavam, tiravam seu sustento de um tantinho de terra e de alguma criação. Na velhice, na doença, destinavam-se quase todos à miséria total e absoluta, sem opção. São esses milhões de brasileiros e brasileiras que representam quase a metade do alegado déficit da Previdência. Em números redondos, essa assistência social custa setenta bilhões de reais e arrecada menos de sete bilhões de reais.
Esta é a única conta da previdência em que há um déficit real e concreto, aceito e confirmado por todos. Mas, atenção: esta é uma conta de aposentadoria ou de assistência social?
Para fazer a conta total da Previdência, a esta conta devem somar-se arrecadação e aposentadorias dos servidores públicos e dos trabalhadores privados. E tem mais… Mas, infelizmente, aí acaba o entendimento. Cada um faz a conta de um jeito diferente. E, claro, chegam a resultados diferentes. Uns vêem déficit, outros vêem equilíbrio, outros até superávit.
Evidentemente, a diferença não é matemática, nem financeira. A diferença é, digamos, política. Cada um desses analistas toma um ponto de partida diferente. E leva em conta aspectos diferentes e projeções futuras diferentes.
Um ponto de partida em que há divergência: o que deve ser considerado como fonte de recursos para a Previdência? Uns acham que só a arrecadação da contribuição regular do trabalhador e do servidor; outros acham que deve ser seguido o que diz a Constituição, que prevê várias fontes (entre elas as contribuições sociais e destinações orçamentárias).
Se partir da Constituição, novas divergências surgirão, até para definir o que é realmente Previdência, pois Previdência Social é um conceito mais amplo do que aposentadoria; se assim for (e é), não deve ser paga (a aposentadoria) apenas com a contribuição oriunda do trabalho. A Previdência é um contrato social com base na solidariedade.
Se assim é (e é), deixa de ter peso a ideia repetida à exaustão de que o sistema tende a quebrar, se não for feita uma reforma urgente – embora os que assim argumentam só usem dados de daqui a dez ou vinte anos.
Também são relativas as projeções.
Por exemplo, diz-se que a Expectativa de Vida do brasileiro já está encostada nos 76 anos, assim, diz-se, fica muito caro alguém aposentar-se aos 60 anos de idade. Veja-se a malícia: usa-se uma expectativa para castrar um direito. Atenção: expectativa de vida não é exatamente número médio de anos de vida de todos os brasileiros. Os brasileiros não morrem em média aos 76 anos. (Na verdade, na cidade mais rica do Estado mais rico do país, em 36 de 95 bairros, mediu-se essa média de anos de vida, e ela estava abaixo de 65 anos).
E a mulher? Vamos agora estabelecer que a mulher é igual ao homem, ou vamos aceitar que há diferenças naturais razoáveis a serem consideradas? E se a mulher tem a expectativa de vida superior à do homem, cabe estabelecer que ela só pode se aposentar anos depois do homem? É que a expectativa de vida da mulher é bem maior que a do homem.
Meu amigo economista e professor Ricardo Coimbra pôs o dedo na ferida: um governo sem voto quer fazer mudanças radicais, com pressa… vai ter resistência, no Parlamento e nas ruas, diz ele.
De fato, este governo sinalizou já que quer “atender ao mercado”, prova disso é que extinguiu o Ministério da Previdência Social e entregou todas as questões ao Ministério da Fazenda. E o mercado manda sinais de impaciência.
Que haja bom senso e equilíbrio e, óbvio, um mínimo de transparência. O governo tem obrigação de abrir a caixa preta dos números da Previdência para a população e defender sua proposta às claras, antes de mandar o projeto de lei ao Congresso. Sem isso, a má-fé se caracterizará evidente.