Trump, de pato só tem o nome, por Luís-Sérgio Santos

A carga simbólica da eleição do empresário Donald Trump para a presidência dos Estados Unidos é gigantesca. Outsider, um “estranho no ninho” da política tradicional, Trump descobriu que era exatamente isso que uma massa de eleitores americanos estava a desejar. Eles, também, estão decepcionados com os políticos profissionais e saída não tem à esquerda porque parte relevante da esquerda conduziu a vaca ao brejo. A saída tem sido pela via conservadora, como vimos agora com a eleição do politicamente incorreto Donald Trump. Um dos temas da sua campanha foi relativo aos imigrantes. Não teve nenhum pudor em administrar sua expressa xenofobia. Sua ira é maior contra muçulmanos, México o vizinho pobre, fica cada vez mais distante e Trump promete fazer dos Estados Unidos um país para os americanos. Nacionalismo arraigado, a beira do fundamentalismo. Racismo inerente embora tenha repelido apoio formal da Ku Klux Klan.

 

Trump foi absolutamente politicamente incorreto na campanha e contrariou com sua eleição todas as projeções de ultima hora da mídia americana, jornais e tv. Desbancou os especialistas e levou a nocaute as pesquisas de intenção de voto. Uma desmoralização total. Deixou a imprensa tão atordoada que ontem o The New York Times disse, em primeira página, que a vitória de Trump era um “repúdio ao Establishment” como se Trump não fosse em parte e no todo uma expressão do establishment. O jornal que apostou na eleição de Hilary Clinton entende establishment como cúpula política na gestão do Estado. Nada mais “establishment”, numa visão heterodoxa, que Trump. Ele é uma expressão viva da cultura empresarial e do estilo de vida estereotipado do rico americano. Ele é um Kennedy do mundo paralelo, aquelas personagens sem verniz e formalismo moral das obras de ficção. Mas, no fundo, um e outro foram forjados no mesmo caldeirão.

 

Acredito que Trump se beneficiou também do confuso modelo eleitoral americano. Um processo caótico, anacrônico e cheio de distorções onde a figura do voto universal não passa nem perto e onde estados tem modelos eleitorais diferenciados: uma verdadeira zona eleitoral. Hillary obteve mais votos universais que Trump. A eleição indireta através de delegados é, sem dúvida, uma aberração numa eleição presidencial. Quando os americanos perceberão isso? Um ponto positivo a favor deles é o voto facultativo pois ninguém pode ser obrigado a votar em qualquer país que se diga democrático.

 

No entanto, a realidade agora é Donald Trump e no Brasil o dólar aumentou sua cotação no dia seguinte. Por que isso: Por que dólar e bolsa são altamente especulativos e quem controla o capital financeiro adora brincar de ganhar dinheiro em cima de factoides. Afinal, Trump foi eleito, tem maioria nas duas casas, Câmara e Senado, mas certamente não foi poder sair explodindo o mundo a torno e a direito. A pergunta agora é: será que ele enquadra o Pentágono ou o Pentágono enquadra ele?

 

Trump tem nome de pato mas não é bobo. Ele sabe que treino é treino e jogo é jogo. Não à toa encaçapou a veterana Hillary Clinton — passada na casca do alho tanto na vida pública quanto na vida privada. Ele jogou tudo, não poupou trejeitos, arrogâncias e ironias de toda ordem. Jogou baixo relembrando o marcante episódio da estagiária Monica Lewinsky e o Cohiba — porque não imagino que Clinton aprecie charuto que não seja a mavioso enrolado produzido na ilha. Hillary também não poupou Trump e seu modus operandi nos bastidores do showbizz. É a vida como ela é e certamente, aqui, Nelson Rodrigues foi superado.

 

O fato dado, posto, é que agora o mundo vai ter que engolir Trump. Finalmente Vladimir Putin tem um contendor do mesmo tope. Ou, do mesmo topete.

 

Luís-Sérgio Santos é jornalista e professor da Universidade Federal do Ceará.

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