SPERANZA, ROBINSON-CRUSOÉ E SEXTA-FEIRA OU A INVENÇÃO DA DEMOCRACIA

Robinson-Crusoé, náufrago do seu barco Virgínia, salva-se em uma ilha deserta como costumavam ser as ilhas do Pacifico por aqueles tempos.

Tournier trabalha com aplicação no texto do livro o sentido temido da solidão e da falta que a vida em sociedade faz ao homem e, naturalmente, pelos direitos políticos de gênero — à mulher.

Sentiu alucinações enlouquecedoras e refletiu sobre como era favorável a vida em sociedade. Ainda assim, tomado de tristeza e aflições, que, como sabemos, ocorre com os náufragos (Tom Hanks deu prova disso), chamou a ilha de Speranza.

Índios vieram provar-lhe que a ilha não era deserta, porém encontraram firme resistencia de Robinson-Crusoé. Entre mortos e feridos escaparam Robinson e um dos índios guerreiros feridos em duro combate. O índio recuperou-se e tornou- prisioneiro (ou seria hóspede de Robinson?). Como pelo velho calendário salvo do naufrágio era uma sexta-feira, ao índio foi dado o nome de Sexta-feira.

Naquele momento , sem que duvidasse do que fazia, a exemplo do Criador com a arriscada construção de Adão e Eva, Robinso-Crusoé estabeleceu os laços de uma relação social e o espaço propício e necessário para o exercício do poder.

A possibilidade de estar nascendo uma democracia foi impressão passageira para Robinson. Para a contagem da vontade de um grupo é preciso que seja composto, no mínimo, por três integrantes.

Não era evidentemente o caso. Robinson cuidou, com a experiência europeia ancestral, de firmar logo, logo, um forma viável de poder autoritário, monocrático. Em nome da governabilidade na ilha.

Pois quebrada, assim, a solidão e o isolamento naquela nesga de terra apropriada por Robinson, instalaram-se regras comuns, competências definidas, responsabilidades impostas, precedências, tudo conforme o poder estabelecido em uma sociedade. Menos um tribunal de contas que disso nada havia a cuidar.

Em Speranza, como ocorreria, séculos adiante, no Ocidente e no Brasil, manda quem pode e obedece quem tem juízo. O voto e a urna eletrônica são toténs de uma sociedade em acelerada progressão de complexidade, quando criou-se o hábito de contar as cabeças em vez de cortá-las, livrando o corpo deste componente incômodo.

Criara-se um Estado artesanal, e o poder não requeria voto, sequer participação de quem pretendesse votar, por algum desvio ideológico prematuro. Sequer uma Corte monocrática para dizer como Sexta-feira deveria responder perante Robinson-Crusoé.

Só ficou faltando neste Estado mínimo a justiça eleitoral, fora as universidades.

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