Resenha – O peso do Estado na pátria do mercado, de Reginaldo C. Moraes e Maitá de Paula e Silva

O AUTOR

O livro é escrito a quatro mãos, por dois professores universitários, Reginaldo C. Moraes e Maitá de Paula e Silva, que assim se apresentam na orelha do livro:

Reginaldo C. Moraes tem doutorado em Filosofia pela USP e é professor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH), da Unicamp. Publicou, pela Editora Unesp, “Estado, Desenvolvimento e Globalização” (2006) e “As cidades cercam os campos (2008, em coautoria com Maitá de Paula e Silva e Carlos Henrique Goulart Árabe).

Maitá de Paula e Silva é mestre em Ciência Política pela Unicamp e foi professora da UFRN. Publicou, pela Editora Unesp, “As cidades cercam os campos (2008, em coautoria com Reginaldo C. Moraes e Carlos Henrique Goulart Árabe).

CIRCUNSTANCIAS

Segundo a apresentação, o livro decorre de uma pesquisa que se enquadra nas atividades do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu), patrocinado pelo CNPQ e pela Fapesp. Foi ainda beneficiado pelo financiamento da Fapesp para um projeto regular de um dos autores – Reginaldo C. Moraes, também pesquisador do CNPQ – para uma pesquisa sobre o ensino superior norte-americano.

A PUBLICAÇÃO

O livro “O peso do Estado na pátria do mercado – os Estados Unidos como país em desenvolvimento” foi publicado pela Editora Unesp, com selo do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais Unesp Unicamp PUC/SP, com 85 páginas, em 2013, como parte da Coleção Estudos Internacionais.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

Os Estados Unidos da América são uma nação jovem, mas muito bem sucedida em vários aspectos. Na Política, em pouco mais de duzentos anos, consolidaram uma democracia que jamais experimentou golpes ou revoluções, com uma constituição exemplar e estável. Na economia, praticaram desde sempre o capitalismo mais liberal e mais eficiente do planeta, tornando-se rapidamente o país mais rico do mundo.

Tradicionalmente, esses feitos são creditados à sociedade civil e ao modelo liberal, ou seja, sem a interferência e sem ativismos do Estado. As poucas páginas deste livro são suficientes para colocar em xeque esta visão pura, como costuma ser apresentada aos demais países, em desestímulo e descrédito do real e necessário papel do Estado no desenvolvimento.

O LIVRO

O livro se compõe de textos (artigos) independentes, mas complementares, apresentados em forma de capítulos, apenas quatro. O primeiro capítulo aborda as ações de implantação da infraestrutura imprescindível ao processo de desenvolvimento, mostrando como os três níveis de governo se articulam e se completam para acelerar o processo. O segundo capítulo expõe transformações importantes na estrutura de produção e de ocupação das pessoas, com um olhar para o surgimento das grandes corporações empresariais e seu vínculo com o avanço econômico e social do país. O terceiro capítulo mostra a interiorização (rumo oeste) do desenvolvimento, através do sistema de doação de terras para infraestrutura e para educação. O quarto e último capítulo é dedicado a eventos e políticas mais recentes (século XX) e examina “alguns aspectos da liderança econômica e tecnológica norte-americana e os caminhos pelos quais ela foi estimulada, modelada e até mesmo construída pelo poder público”.

A publicação tem farta referência a números da economia e da infraestrutura norte-americana, sobretudo quanto ao século XIX, em quadros de fácil leitura e compreensão. O texto obedece ao rigor acadêmico, mas não há perda da leveza e da fluidez da leitura, mesmo para um leitor menos habituado ao tema.

BONS MOMENTOS

1. O modo como se deu o avanço das ferrovias para oeste também é uma particularidade norte-americana, quando comparado com o mesmo processo na Inglaterra. Os estudiosos da expansão ferroviária na ilha-mãe apontam o caráter essencialmente privado do empreendimento: as linhas eram inversões de capitalistas interessados em responder a uma demanda claramente identificada. Uma linha ligava uma cidade a outra e assim o investimento era recuperado. Nos Estados Unidos, as linhas saíam de algo mais ou menos parecido com uma cidade e iam em direção a algo parecido com… nada. De fato, as cidades nasceriam ao longo da ferrovia, quase como “resultado” da construção da linha, não como demanda pressuposta e atendida.

2. As terras doadas pela União viabilizaram as ferrovias, fizeram surgir as cidades, orientaram a ocupação do território e abriram caminho para o sonho de migrantes e imigrantes de todo tipo. Além disso, criaram as bases para o surgimento do maior mercado interno do mundo, algo decisivo para os ganhos de escala das corporações que vão surgir no fim do século. E, de quebra, foram as especulações financeiras em torno de terras e ferrovias que deram origem às primeiras grandes fortunas do país.

3. Nos Estados Unidos não há universidades federais. E, no entanto, o governo federal é, de fato, o motor e modelador do sistema de ensino superior. Exerceu esse papel já no século XIX, fomentando a criação de “colleges” e universidades por doação condicional de terras aos estados. Logo depois da Segunda Guerra Mundial, voltou à carga com um gigantesco programa de bolsas para veteranos que massificou o ensino superior como em nenhum outro país. E, nas décadas seguintes, transformou as universidades de pesquisa – públicas ou privadas – em instituições dependentes de suas demandas, graças à pesquisa programática, encomendada sobretudo pelo Departamento de Defesa.

4. O primeiro diretor do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos, Isaac Newton, deu ênfase à pesquisa e à educação para ajudar os agricultores a aperfeiçoar sua atividade e, até o fim do século XIX, oficiais, técnicos e cientistas se dedicaram a fazer aumentar a produtividade agrícola no país. No fim da década de 1860 e início da de 1870, o USDA (o Departamento) expandiu sua atividade científica, em particular no campo da nutrição e da patologia animal e vegetal, e iniciou experiências com produtos químicos para controlar ou evitar o ataque de insetos às plantações. A partir de 1880, a política do Departamento começou a dar ênfase ao controle sanitário e à regulação de produtos agrícolas. Ao longo da década de 1890, uma nova legislação lhe deu poderes de inspeção sanitária, e iniciou-se um trabalho de melhoria das estradas rurais para facilitar o acesso dos agricultores ao mercado; além disso, houve um trabalho contínuo de busca e expansão de mercados estrangeiros para os produtos agrícolas norte-americanos. No fim do século XIX, a direção do departamento procurou disponibilizar suas descobertas científicas aos agricultores de todo o país, mas para isso era necessário um sistema de “educação agrícola”.

5. Numerosos historiadores têm sublinhado que, até então (metade do século XIX), os inventos eram herdeiros apenas indiretos, quando tanto, do saber que se gerava nas academias: artesãos habilidosos eram os responsáveis pelos dispositivos que revolucionavam o mundo desde o fim do século XVIII. E que o “sistema norte-americano de manufatura” introduzia não era um ou outro invento, mas algo que autores como Vernon Ruttan chamam de “general purpose technologies” , inovações persuasivas e revolucionárias que invadem e transformam radicalmente vários ramos produtivos. O sistema norte-americano era um modo novo de organizar o trabalho produtivo e gerar o produto final: a ideia das partes padronizadas e intercambiáveis, aparentemente engendrada pelos franceses, mas desenvolvida nos arsenais da jovem república norte-americana e estendida a seus ramos industriais. Um meio caminho para a produção em massa que se configuraria, no começo do século XX, com o Taylor-fordismo.

6. À medida que as emendas constitucionais surgiam e impunham limites ao endividamento dos estados, as municipalidades assumiam o protagonismo na onda de ativismo estatal, investindo amplamente em infraestrutura de serviços públicos, estradas, água, coleta de esgoto e educação. Assim, se no fim dos anos 1830 o débito dos estados era cerca de oito vezes o débito nacional somado aos de governos locais, em 1900 o débito dos governos locais era cerca de oito vezes o endividamento do estado, invertendo a situação de 1839.

7. Com todos esses meandros, começamos a ver como os governos estaduais e locais vão adquirindo importância nessa empreitada “desenvolvimentista”. Os governos subnacionais atuaram como poder público empreendedor, como sócio principal de empresas mistas. Atuaram também no financiamento dessas operações, não só por meio de impostos e taxas, mas também captando empréstimos internos e/ou externos (contraindo e/ou garantindo dívidas) e criando corporações – grupos especiais – para assumir a responsabilidade financeira pelo projeto em troca de ganhos extras com o investimento, um arranjo frequentemente utilizado para a criação de bancos.

CITAÇÕES

1. A correlação é intuitiva: sugere a política de ensino superior dos “land grant colleges” como uma política de ocupação do território e uma política de desenvolvimento.

2. Podemos dizer que há duas “fases” no ativismo estatal norte-americano que, no século XIX, abriu caminho para o desenvolvimento do país. Na primeira dessas fases, o protagonismo coube ao governo estadual, na na segunda, ao governo municipal.

3. Até 1890, indústria e capital financeiro viviam em mundos bem separados, do ponto de vista institucional. Os papéis negociados em Wall Street concentravam-se em negócios como ferrovias, telégrafos, obras públicas de municípios e estados.

4. A junção dos dois mundos – Wall Street (finanças) e Main Street (indústria e comércio) – é o que se pode chamar de revolução corporativa ou, talvez, de segunda revolução burguesa nos Estados Unidos, dado seu impacto nas relações de produção.

5. O capital negociado nas bolsas de valores saltou de 33 milhões em 1890 para 280 milhões logo no ano seguinte, mas o melhor ainda estava por vir, com os vários bilhões de dólares negociados na virada do século.

6. Mais do que ouvir aquilo que dizem, convém estarmos atentos para o que fizeram e fazem, e o que diziam (ou resmungavam) quando faziam o que era preciso fazer. Talvez isso nos seja mais útil.

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