Resenha – Luxuria, de Mauricio Horta

CURTAS

— Onde há poder, há abundância, e onde há abundância há luxúria.

— Os pecados capitais, em vez de atos, são emoções ou disposições compartilhadas por todos os humanos.

— Na virada do século, Sigmund Freud havia legitimado em Viena a existência de sexualidade para a metade feminina da humanidade, e agora a sexualidade era posta como objeto de estudo científico.

— Se o dinheiro inglês mandava no mundo, era em francês que a elite global lia, se correspondia e se divertia.Era em Paris que iam esbanjar riqueza os grandes duques russos, os paxás turcos, os milionários brasileiros e argentinos.

— O excesso de prazer e a ausência da finalidade reprodutora colocavam a prostituição na categoria das “anomalias sexuais”, junto ao libertino, ao pederasta, ao onanista, ao sodomita, à lésbica e à ninfomaníaca. Saudável era o prazer comedido.

— Legisladores da nova direita enchiam o Congresso de projetos que defendiam colocar em quarentena não só quem fosse diagnosticado com o HIV como também populações inteiras dos chamados “grupos de risco” – o que implicaria a criação de campos de concentração para homens gays, usuários de drogas injetáveis e hemofílicos.

— Escolher ser solteira não significa uma vida de abstinência, mas possivelmente o contrário. É a oportunidade para estender sua busca por novas experiências. O individualismo, agora, vale para os dois sexos.

— Em 1984, de 105 filmes nacionais produzidos, 69 eram de sexo explícito.

— O então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, assinou o chamado “decreto Leila Diniz”, que instaurava a censura prévia à imprensa. A Rede Globo não renovou o contrato da atriz – e um diretor da casa justificou isso afirmando que “não tem papel de puta na próxima novela”.

— Em 1974, a Associação Americana de Psiquiatria excluiria o termo “homossexualismo” de seu manual de transtornos mentais.

BONS MOMENTOS

— A mais conhecida obra a retratar os ideais “hippies” estreou também em 1967 – o musical Hair, que glorificava a liberdade sexual. É como descreve sua balada “Sodomy”, traduzida livremente da seguinte forma:

Sodomia, felação

cunilíngua, pederastia

Padre, por que essas palavras soam tão mal?

Masturbação pode divertir;

junte-se à sagrada orgia.

 

— Em 1968, jovens de diferentes partes do mundo também assumiram as rédeas de manifestações de diferentes graus de erotismo e pacifismo. Em maio de 1968, os estudantes franceses protestavam por uma reforma universitária e, quando viram que o país havia paralisado com o apoio de dois terços de seus trabalhadores, tentaram pôr em prática o slogan “Seja realista: exija o impossível” — assim como “Abra sua mente e suas calças”. Em Madrid, estudantes protestavam contra a ditadura do General Franco; a Tchecoslováquia entrava em um período de reforma e protestos por direitos civis, só para em seguida ser invadida pela União Soviética; por volta de uma centena de manifestantes mexicanos eram mortos e mais de mil eram presos no massacre de Tlateloco, às vésperas da Olimpíada do México; o movimento estudantil brasileiro organizava a Passeata dos Cem Mil em protesto contra a ditadura militar. E no centro de tudo isso não estavam as velhas lideranças partidárias, mas a geração de jovens idealistas nascidos depois da Segunda Guerra.

—  O início dessa transformação surgiu ainda nos anos 1950 – não com mulheres defendendo a contracepção, mas com um agrupamento de contracultura dominado por homens. Foi o movimento Beatnik, formado por boêmios hedonistas. Eles escreviam loucamente em uma linguagem informal, rejeitavam padrões preconcebidos, experimentavam drogas – incluindo o recentemente sintetizado LSD –, exploravam todo tipo de possibilidades sexuais, opunham-se ao materialismo da geração pós-guerra. Mas estavam longe do engajamento político de seus sucessores, os hippies. Os beats acharam que a sociedade em que viviam era uma porcaria; depois, ls hippies se propuseram a substituir essa porcaria por uma sociedade alternativa. Para isso, bastariam paz e amor, com auxílio de um receituário heterogêneo de LSD, nova esquerda e misticismo do Oriente.

 

— (Em 1948) O Kinsey Report era um relatório de 800 páginas de estatísticas sobre a vida sexual de homens norte-americanos, coletada em milhares de entrevistas ao longo de dez anos…

  • 4% eram exclusivamente homossexuais
  • 10% eram predominantemente homossexuais
  • 11% já tinham feito sexo anal com suas mulheres
  • 22% se excitavam com histórias sadomasoquistas
  • 29% já tinham tido pelo menos uma parceira extraconjugal(seom contar prostitutas)
  • 37% já tinham chegado ao orgasmo com outro homem
  • 46% já se sentiram atraídos por outro homem
  • 50% já tinham sentido prazer em apanhar
  • 69% já tinham feito sexo com prostitutas
  • três quartos ejaculavam antes de completar dois minutos de cópula
  • 93% faziam sexo oral na mulher nas preliminares.

— Em 1953, Kinsey traria a segunda bomba – a pesquisa agora voltada às mulheres:

 

  • 14% tinham orgasmos múltiplos
  • 21% tiveram um ou mais parceiros extraconjugais
  • 69% disseram ter fantasias eróticas com homens
  • 70% das mulheres já tiveram sonhos sexuais
  • 62% das mulheres se masturbavam; dessas, 84% manipulavam o clitóris e os lábios; 20% penetravam a vagina, 11% estimulavam os mamilos, 10% pressionavam as coxas;
  • nas preliminares, 91% masturbavam o homem e 49% faziam sexo oral nele.

— Em 1933, Hitler introduziu a “Lei de Incentivo ao Casamento”, que dava um empréstimo de mil marcos aos novos casais. Se tivessem um filho, não precisavam devolver 250 marcos. Se tivessem dois filhos arianos saudáveis, ficariam com 500 marcos, e assim por diante, até se livrarem da dívida quando tivessem o quarto filho. Se tivesse, então, oito filhos, a mulher ganahraia uma medalha de ouro. Já as solteiras arianas podiam se voluntariar a ter filho com um membro igualmente ariano da SS e entrar para uma aristocracia racial da nação. Para que o Estado concedesse essa “honra”, o futuro casal devia fornecer uma ampla documentação, como atestados de ancestralidade germânica remontando pelo menos aos anos 1750, de lealdade ideológica, de aptidão física e de fertilidade, além de possuir características como altura, peso, cor dos cabelos, formato do nariz e medidas da cabeça próprios daquilo que os nazistas consideravam “raça superior”.

— Embora a figura do “solteirão” já tenha sido celebrada desde os tempos inaugurais da revista Playboy (ou mesmo do bom vivant da Belle-Époque), a da “solteirona” não compartilhava o mesmo glamour. Ela formava um estere´[otipo deprimente de “mulher encalhada”, infeliz e frustrada. A que sobrava para titia. Somente com décadas de emancipação feminina – ainda que incompleta –, a mulher recuperou o controle sobre seu corpo e abriu para si um leque de escolhas antes limitadas aos homens.

O AUTOR

Maurício Horta [e jornnalista formado pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Colaborou para diversas publicações, como o jornal Folha de S. Paulo e a revista Superinteressante, pela qual publicou os livros Mitologia, Como as pessoas funcionam e o Lado bom dos seus problemas, conforme a orelha do livro.

A PUBLICAÇÃO

O livro “Luxúria – como ela mudou a história do mundo”, de autoria de Maurício Horta, foi publicado pela editora Leya em 2015, composto em 285 páginas, e faz parte de uma série organizada por Alexandre Versignassi.

CIRCUNSTÂNCIAS

Os sete pecados capitais foram definidos pelo padre Gregório Magno, que viveu entre 540 e 604 d.C.  Junto com Ambrósio de Milão, Jerônimo de Estridão e Agostinho de Hipona forma o grupo de quatro grandes padres que passaram a ser conhecidos como “Doutores da Igreja”, pelo trabalho que fizeram de consolidação e unificação da doutrina da Igreja.

O autor do livro situa sua obra na frase “onde há poder, há abundância e onde há abundância há luxúria”. Assim, o livro coloca a questão da sexualidade e deste pecado capital ora como pano de fundo, ora como elemento central da história da civilização humana ocidental. Não é um livro sensual, é um livro de história.

A IMPORTÂNCIA DO LIVRO

Conforme expõe o próprio autor, o livro tem três objetivos: explicar como as sociedades anteriores ao Cristianismo contribuíram para a construção do conceito de luxúria; mostrar a influência do conceito de luxúria na formação das culturas do Ocidente, incluindo a brasileira; e descrever como, a partir da era moderna, o Estado, a medicina, a sociedade civil e o mercado ora se associaram, ora competiram com a Igreja pela influência na vida sexual do Ocidente.

O LIVRO

O livro começa mostrando a cultura da sexualidade na civilização grega e no Império Romano, colocando as diferenças entre as duas, antes de entrar num dos pontos fortes da obra, que é a relação entre sexo e religião, com ênfase para o Cristianismo.

O poder está sempre associado ao relato do autor. Exemplarmente, os cinco primeiros grandes imperadores romanos (os Césares) têm sua trajetória examinada, de forma a mostrar as evidências da confluência entre poder e luxúria. Da mesma maneira, o autor também cita os hábitos dos deuses da Mitologia grega.

O livro avança relativamente rápido e não demora a chegar na segunda metade do século XX, onde a sexualidade sofre transformações radicais. Estados Unidos, França e Brasil recebem especial destaque nesse momento.

Pornografia, onanismo, fornicação, pederastia, safismo, igreja, essas e inúmeras outras palavras e tipos de comportamento têm sua origem explicada.

 

 

 

 

 

 

Sobre o autor:

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