Sou um idoso aposentado e vivo com minha esposa que ostenta “status” semelhante.
Nossos filhos já se casaram e moram em seus sítios.
Nossa casa ficou vazia e grande. Nesse período de quarentena temos:
– quartos e banheiros separados;
– alimentação saudável e abundante;
– tempo para conversar e ler;
– silêncio para refletir e escrever.
Meu cérebro e meu coração se uniram para andar com alpercatas e bermuda pelo nosso país afora. Nosso Brasil continental, cobiçado e rico em tudo que você imaginar, mas o Brasil:
– dos sem teto;
– dos índios assassinados;
– dos sem terra;
– dos moradores das favelas;
– das famílias grandes de casas pequenas;
– dos desempregados;
– dos trabalhadores informais;
– das pessoas com saúde debilitada;
– dos velhinhos e velhinhas em asilos;
– dos loucos em palácios e manicômios;
– dos iletrados não funcionais e funcionais;
– das famílias desintegradas;
– das crianças sem afeto;
– da natureza açoitada;
– das instituições venais;
– da discriminação insana;
– dos lares sem alimentos;
– da inutilidade dos carros blindados;
– das fortunas exorbitantes;
– das casas com grades;
– dos ricos encarcerados pelo inimigo invisível … .
Céu azul cor de anil, longas distâncias, horizonte sem miragens!
Exausto, percebo corpos esquálidos e acolhedores à beira da estrada, confrontando a crueldade de um mundo ganancioso e desalmado que engole a civilidade e desemprenha a barbárie que nega o seu DNA amazônico.
17 horas. Contemplo uma montanha vestida de verde. Paisagem exuberante! Quão belo é o crepúsculo aqui, meu sentimento cochicha pra mim! O sol está quase escondido. Parece dizer boa noite para a lua que vai nascer. Mais alguns passos, dei de cara com um açude transbordando em meio à floresta. Estava com calor. Joguei a roupa fora e tainhei na água parada e fria, como no tempo de criança. O nascer da lua cheia e o coaxar dos sapos me levaram a indagar, como seria o Brasil se:
– os sistemas de saúde e educação fossem estatizados;
– os meios de produção e transporte fossem também;
– mais escolas e hospitais fossem construídos;
– cada pessoa possuísse apenas um imóvel para morar;
– as grandes fortunas fossem taxadas;
– a imprensa corporativa extinta;
– as segundas opiniões fossem estimuladas;
– as censuras fenecessem;
– a reforma agrária decretada;
– os agrotóxicos proibidos;
– as drogas liberadas para acabar com o tráfico;
– as polícias extintas;
– a lava-jato incinerada;
– o judiciário perdesse a vitaliciedade;
– o legislativo fosse renovado a cada legislatura;
– os presídios fossem demolidos;
– o imposto de renda eliminado;
– os bancos substituídos por cooperativas;
– o salário fosse único para todos os brasileiros;
– os privilégios fossem abolidos;
– o Brasil deixasse de ser colônia dos Estados Unidos;
– a educação, a saúde, a ciência, a tecnologia e a cultura fossem prioridades;
– O povo se organizasse e assumisse o poder de forma soberana.
Ah se tudo isso e mais alguma coisa boa acontecesse!
Coronavírus, tu que decretaste prisão domiciliar para poderosos e humildes, generais e soldados do mundo inteiro, sem direito a “Habeas Corpus”, medindo todos com a mesma régua, trouxeste uma grande lição. Nos desmascarou pondo máscaras em nossas faces.
Amanhã poderá ser o raiar de um novo dia, com um mundo humano e fraterno.
Essas são minhas reflexões quarentenais, com base na disciplina que tu me impuseste. Já deu pra entender. Vai-te embora e deixa-nos em PAZ!