A explicação do silêncio presidencial, dada pelo presidente, em face dos fatos e das suas mínimas circunstâncias, amplamente conhecidos da nação, é mais perturbadora do que o silêncio em si, guardado com tanto zelo.
O martírio não é uma saída previsível e tranquilizadora para uma liderança política em uma democracia. Tampouco o desalento dos desvios da fé e a desorganização da ordem constitucional limitam a ação legítima e legal da oposição.
Opor-se aos governantes, discutir e questionar a sua ação, deles exigir explicações quando devidas, é um direito e, em uma democracia, uma obrigação compartilhada pelos cidadãos.
Se não estamos em estado interno de guerra civil e não defendemos esta alternativa para a solução de controvérsias e contraditórios, sempre será possível recorrer aos mecanismos constitucionais e impor regras e mandamentos em respeito aos princípios democráticos que devem reger o Estado.
A fala presidencial, cuja repercussão alcançou amplas parcelas da população, vaga e confusa, ainda que honesta e bem intencionada, não esclarece, nem retira as dúvidas que se aninharam com as preocupações e angústia dos brasileiros.
Sugere, ademais, que reações, até agora recolhidas e mantidas sob prudente discrição, possam vir a ser adotadas e amparadas por forças e meios não revelados.
Se o silêncio prolongado do presidente manteve, por tanto tempo, os brasileiros sob a pressão da dúvida sobre os desdobramentos imprevisíveis de uma situação política indefinida, a fala teve o condão de inspirar medo, insegurança e falsas expectativas sobre o desenlace indesejado de uma crise intencionalmente prolongada.
A omissão e a hesitação de atores privilegiados do cenário político, em momentos cruciais que impunham a tomada de decisões compatíveis com a importância da crise, em franco progresso e crescimento, já não encontram alternativas legais para o seu correto aviamento.
Nas democracias, as crises constitucionais do sistema político, os desafios sociais e econômicos a serem saneados nos momentos mais graves, dispõem de recurso normal e regular à terapêutica e à farmacopeia legais que fazem dos governantes agentes da vontade popular, legitimamente constituídos, mas não déspotas e caudilhos que, em nome da democracia, hajam autocraticamente justamente — para salvá-la…
Esta regra elementar, porém essencial, aplica-se a parlamentares, governantes, patentes castrenses, juízes de todas as instâncias, antístites da fé, aos artistas e aos intelectuais, e aos juristas de um modo geral que, para valer, a soberania do Estado assenta-se na vontade dos cidadãos.
De todo o acervo acumulado de erros e deslizes jurídicos, de impropriedades cometidas em confrontação com o ordenamento constitucional, resulta um saldo oneroso de desrespeito às instituições pelo qual muitos hão de responder um dia perante a consciência cívica do país.
Para este tratamento corretivo, seja a que tempo for, haverá certamente suspeitos e responsáveis a serem julgados pela Justiça e pela consciência moral da nação.