O PARADOXO DEMOCRÁTICO

Um povo perde as liberdades civis como moça virgem perdia, outrora, a virgindade; ia-se o hímen em um golpe de sedução ou por simples descuido de uma mulher complacente.

A democracia americana, criada pelos pais fundadores parecia refletir o ápice da civilização, a indicação de novos laços de coesão social e a aspiral de poderes bem situados e compartilhados na sociedade.

Montesquieu fixara os suportes daquela construção na qual se revelavam os elementos de equilíbrio do poder político do Estado. Legalidade e legitimidade traduziam-se nas formas de representação do poder originário do povo, associadas à forma republicana do mandato e do governo.

A democracia, como os sistemas ancestrais de governo e o exercício da autoridade, na monarquia absoluta, como nas formas modernas da representação e do mandato, traziam em si, com as conquistas dos ideais de liberdade, equidade e igualdade, o antígeno da liberdade, para preservá-los das suas próprias fraquezas.

Os mecanismos do governo democrático demonstraram, desde os seus começos, quão frágeis poderiam eles ser para defenderem a integridade de um governo justamente auto-referenciado como “democrático”.

A força da liberdade que eles deveriam representar, as premissas de legalidade e legitimidade que ornam esta forma de governo, são precisamente a expressão mais visível de um paradoxo: a força da democracia tem nos ideais de liberdade nos quais se assenta o ponto exposto da sua maior fraqueza.

Quem poderia supor que Weimar sucumbiria às moléstias do nazi-fascismo e se tornaria vítima de um “incêndio de teatro”, com autoria previamente designada por Hitler?

Como imaginar que os “federalists papers”, Madison, Jefferson e os “pais da pátria” americana cederiam lugar para a formação no Senado, da Comissão MaCarthy para a incriminação das atividades anti-americanas e o alijamento dos seus “autores”?

Quem suporia que os puritanos da Nova Inglaterra impusessem as suas regras medievais — e a lei seca aos americanos?

Como prever que uma ditadura de bombachas justificasse no Brasil o advento de um “Estado Novo” e agora permitisse que um governo eleito democraticamente, com urna eletrônica totêmica respeitada, usasse da sua força para instaurar atalhos legais para a quebra da legitimidade das instituições em favor de um “presidencialismo de cooptação”? Ou permitisse que o direito servisse de instrumento para essas ações dissimuladas?

Como fazer de uma manifestação gigante pelos corredores de Brasília, esta enorme “city” burocrática, um golpe de Estado com 1.400 presos por insensatos impulsos “terroristas”?

Passado este dolorido pesadelo de desvario patriótico encomendado, como retomaremos aqueles caminhos cercados de riscos de vida e morte severina, os caminhos que o povo brasileiro escolheu, de uma democracia plena, desadjetivada, iluminada por aquela algazarra cívica e republicana que se constrói precisamente com o embate dos contrários?

Por onde anda o viés dialético destas turbas ativistas que invadem propriedades, denunciam e forjam circunstâncias e provas e a todos os que divergem das suas regras de opinião — chamam de fascistas?

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