O Grande Mestre (2013) é um filme sobre arte. Manifestação essa assumida no mesmo através de variadas temáticas. Ali, somos apresentados à ação autobiográfica encenada como drama histórico. A mescla desses três pontos foi o principal exercício que moveu as intenções de Wong Kar Wai. Com parcimônia e rigor estético, esse brilhante realizador monta seu 10º filme na afirmação de que a experiência do cinema de gênero também se fundamenta na mescla de conceitos.
Partindo do princípio, estamos na primeira metade do século XX. Na cidade de Foshan, importante reduto notabilizado pela prática do kung fu e localizada na província de Guangdong (China), a Associação de Artes Marciais da China se prepara para a transição. Um novo mestre deve ser escolhido. E entre os cotados está Yip Man, reconhecido nome local e aristocrata da cidade.
A história desse personagem, responsável pela difusão do estilo de luta “Wing Chun” e ser o mentor de Bruce Lee, se confunde com a própria história da China do Entre Guerras. Apesar de sua relevância, seu nome divide espaço com outras personagens do enredo cujo protagonismo passa a ser, então, partilhado. Mas por que isso?
A ideia que nos fica é a de que Kar Wai preferiu amenizar o impacto que a lógica do “star system” tem na cinematografia. E como forma de diluir a supremacia do “herói” centrada numa figura só, também nos apresenta à Gong Er. Neta de Mestre Gong e principal discípula deste. Além de “Navalha”, oficial comunista que se envolve com “Er” durante a juventude dos dois.
Mas e escolha do diretor em desmembrar os papeis de seu elenco dando-lhes a autonomia que a obra pede nos diz bastante de suas intenções. A primeira, ligada à decisão de se contar a estória não contada. Isso porque a trilogia Yip Man de Wilson Yip (2008 a 2016), à sua forma, também dá luz ao passado de Mestre Yip e seu lugar na história da China. Mas o filme de Kar Wai se desenrola numa outra ordem.
Porque no fator “elenco”, o longa se resolve numa mescla de atores que atuam em duas atmosferas principais. Uma baseada nas sequencias de luta e outra sustentada na carga dramática das cenas de diálogo. E o balanceamento comedido desses dois extremos é o que faz desse longa um projeto mais bem acabado em comparação ao trabalho de Yip, apesar da boa intenção de suas cinebiografias.
Mas o longa se faz também pela primazia de seu roteiro. E longe de nos ser entendida como a forma clássica que congela o estar cinematográfico, é por meio do texto que o filme nos fala. Porque cada plano, cada quadro ou tomada de O Grande Mestre o são intencionais. Frutos de um trabalho meticulosamente idealizado. Mas como sabemos disso? Através da terceira intenção de Kar Wai.
Estamos falando do trabalho de fotografia. Ela, que é a roupa da imagem a qual vemos. Responsável pela plasticidade do que nos é mostrado na tela e que se complementa com o roteiro na exposição que é o filme enquanto espetáculo físico (quanto ao que olhamos) e intelectual (ao passo que o lemos). No entanto, essa terceira vertente se conclui na forma como a cenografia nos aparece.
Trabalho de direção de arte. Assim, toda cor, objeto e indumentária que compõe O Grande Mestre o reveste de um tom iminentemente iconográfico. Porque na profusão de cores e acessórios que uma única tomada tem ficamos com a maravilhosa sensação de estarmos dentro de uma pintura, olhando para ela. Estamos diante do cinema como sonho, como arte. (Clique na imagem abaixo e perceba esse porquê.)
A arte que Kar Wai adota em seu trabalho é o seu caráter de distinção. Sim, estamos diante de um filme de kong fu. Mas o combate travado entre as personagens possui o refinamento que as artes marciais do Oriente levam em sua gênese. Não estamos experenciando um trabalho onde o impacto converge do sangue que jorra dos socos e golpes ali deferidos. Mas sim das demonstrações contidas nos códigos de honra de toda grande arte, tal qual o cinema é.
FICHA TÉCNICA
Título Original: The Grandmaster
Gênero: Ação, Biografia, Drama
Tempo de duração: 130 minutos
Ano de Lançamento (CHINA): 2013
Direção: Wong Kar Wai