O CAPITALISMO CAMINHA PARA O FIM


“O trabalhador produz o capital e o capital produz o trabalhador, assim, ele próprio, o ser humano, como trabalhador, como mercadoria, é o produto de todo o movimento. Para o ser humano que não passa de trabalhador, as suas qualidades humanas só existem na medida em que existem para o capital, que lhe é alheio.” 

Karl Marx, em “Manuscritos Econômico-Filosóficos”, em 1844.     

Após atingir todos os poros das sociedades mundiais eis que o capitalismo encontra a sua fronteira histórica de expansão e tal qual um monstro gigante que já não consegue obter o alimento necessário, definha para a morte.   

O capitalismo é uma equação irresolúvel porque sua lógica cumulativa ad infinitum entra em choque com a finitude de sua capacidade de expansão e tal qual uma bicicleta que sem a velocidade para e cai, esse monstro de mil cabeças quando não mais consegue manter viva a sua rota de exclusão social construindo sobre seus escombros a riqueza abstrata, falta-lhe o sangue vital (a reprodução permanentemente aumentada de valor) e ocorre o seu colapso definitivo.       

O que está na base desse definhamento irreversível são as suas contradições intrínsecas. 

A primeira grande contradição é a sua inafastável necessidade de concentração da riqueza abstrata por ele criada que num determinado ponto se torna inviável de autorreprodução por estagnação e paralisia do próprio processo de produção.   

O capital vive do capital, mas, paradoxalmente, tem compulsão lógica para a sua própria redução por conta de que tende a eliminar aquilo que lhe dá vida, o tempo-valor do trabalho abstrato, uma mercadoria que produz mercadorias, sacrificado no altar do mercado onde ocorre a guerra fratricida do regime concorrencial entre as próprias mercadorias.  

Uma briga de coisas, estranha ao ser humano que as conduz, mas que a elas se submete coisificando-se simultaneamente.     

Atingimos o estágio no qual a incapacidade de expansão produz o choque de titãs da produção de mercadorias, e praticam um duelo de morte suicida no qual a eliminação de um, corresponde, paradoxalmente e na sequência, também, à eliminação do oponente. 

É o que está correndo entre o ocidente capitalista e o oriente que lhe quer roubar o doce, sem que percebam que há pouca farinha para o pirão de todos.  

Outra grande contradição consiste no fato de que ao roubar a riqueza abstrata de quem a produz o capital produz riqueza concentrada e empobrece quem a produz e assim reduz a sua capacidade de expansão. Sob o capital não há produção de riqueza linear, e se assim não fosse não seria capitalismo, mas o seu contrário.     

Enganam-se os que se iludem com o brilho falso da prosperidade ostensiva que encobre a pobreza coletiva envergonhada, e que querem sob seus critérios torná-lo distributivo equanimemente.     

Sob o capital o próprio ser humano se transforma em mercadoria ao produzir mercadoria e ser remunerado por mercadoria; sujeita-se à regra da lei da oferta e da procura do mercado onde vende a sua força de trabalho, única mercadoria que tem, em liquidação, por preço vil onde a miséria é combustível da própria miséria. 

Toda mercadoria tem um valor que é representado pela soma do tempo valor nela incorporado. Mas para que o capital se reproduza cumulativamente se faz necessário que haja um tempo-valor apropriado pelo próprio capital em face de quem o produziu. 

Essa é a razão pela qual o produtor do tempo-valor não tem condições de aquisição da mercadoria que ele próprio produziu, porque ela se compõe da 

integralidade do tempo-valor nela incorporado que foi subtraído pelo capital na sua acumulação autofágica.   

É por isso que bens de consumo caros como uma unidade habitacional e toda a infraestrutura urbana necessária para a sua existência confortável não são acessíveis ao produtor direto do tempo-valor (o trabalhador abstrato).  

Quanto mais sofisticada a habitação menos acessível ela é ao homem que a construiu com seu tempo-valor. A questão habitacional coletiva de boa qualidade é problema irresolúvel sob o capitalismo, daí a formação de favelas como “Paraisópoles” em São Paulo e “Rocinha”, no Rio de Janeiro, que se constituem em megalópoles de miséria, ora dominadas pelo crime organizado.  

Mas as mercadorias se depreciam ao longo do tempo e perdem preço de mercado (preço é diferente de valor de produção, posto que é relação de valor de mercado susceptível de alteração pela lei da oferta e da procura). Assim, tal como a mercadoria força de trabalho, ora em oferta abundante graças ao desemprego estrutural, um excedente de carros velhos pode ser ofertado como propriedade na casa de um trabalhador favelado, mas nunca um carro novo.  

É por tais condições que o capitalismo é um sistema de geração de ilhas de riquezas e oceanos de pobreza, e nessa relação não pode haver ganha-ganha para todos, mas apenas um perde-perde para quem produz e aliena o seu tempo-valor (única mercadoria que possui) recebendo apenas o necessário para a sua sobrevivência miserável.  

O endeusamento e a positivação do trabalho e do trabalhador representa um falso respeito do capital a essas duas categorias capitalistas que objetiva mantê-lo orgulhoso de sua condição de explorado inconsciente do papel de artífice primário e primeiro do capital, mesmo sofrendo os danos da exploração de que é vítima.  

A frase nazista em Auschwitz “O trabalho liberta”; a força do trabalhismo inglês no poder burguês e a existência de partidos trabalhistas legalizados na institucionalidade capitalista;  bem como a foice e o martelo  nas bandeiras vermelhas revolucionárias, têm em comum o endeusamento capicioso do trabalho. 

O tempo-valor é uma abstração tornada real na mercadoria pelo seu valor de uso cujo objeto é fazer existir o famigerado valor de troca; a sua remuneração pela mercadoria dinheiro (a única que não tem valor de uso mas serve de meio de aquisição de todos as outras) é modo de escravização indireta, erroneamente entendida como liberdade de escolha do escravizado para quem vender dita mercadoria (tempo-valor) sem que se aperceba que só há sempre um mesmo e único comprador: o próprio capital, ainda que disso se beneficie 

o capitalista, uma casta privilegiada, serviçal e mantenedora na (e pela) estrutura da relação social capitalista.    

Paradoxalmente, e como prova da contradição no objeto que é própria ao capitalismo (Marx), a guerra concorrencial de mercado, altar-mor da realização do capital, a própria dinâmica do capital está a promover o descarte em maior proporção do que a criação de novos nichos de trabalho abstrato (substituição do trabalho vivo do tempo-valor pelo trabalho objetivado, morto, das máquinas, que não produzem valor) e com isso está fazendo voar pelos ares toda a relação de produção baseada no valor (Marx). 

Estamos vivendo os estertores de uma relação social que evidencia a sua inocuidade, porque, afinal, não há mal que dure para sempre, mas isso representa as dores do parto com ameaças de morte da parturiente, a humanidade.           

Cabe a nós a opção anti-fetichista capaz de nos tornar protagonistas de uma relação social consciente de si mesma.  

Sobre o autor:

Compartilhe este artigo:

O CAPITALISMO CAMINHA PARA O FIM