CURTAS
- A tese central deste livro é precisamente que uma diferença que parece pequena entre a taxa de retorno (ou remuneração) do capital e a taxa de crescimento da economia pode produzir, no longo prazo, efeitos muito potentes e desestabilizadores para a estrutura e a dinâmica da desigualdade numa sociedade.
- O papel principal do imposto sobre o capital não é financiar o Estado social, mas regular o capitalismo.
- Todas as rendas muito elevadas são suspeitas, mas aquelas que não são aferidas atraem ainda mais desconfiança.
- Se a produção mundial e a renda fossem repartidas de forma perfeitamente igualitária, cada habitante do planeta disporia de uma renda da ordem de 760 euros por mês.
- Os países ricos são duplamente ricos: têm uma produção interna mais elevada e têm capital investido no exterior, o que lhes permite dispor de uma renda nacional maior do que a sua produção – para os países pobres, vale o contrário.
- Nada indica que a redução do atraso se deva principalmente aos investimentos dos mais ricos nos mais pobres – pelo contrário.
- Além de constituírem mais de 20% do PIB e do emprego nos países mais avançados – parcela que deve ficar ainda maior no futuro – a saúde e a educação representam, provavelmente, as melhorias mais reais e notáveis nas condições de vida ao longo dos séculos.
- Aqueles que possuem muito nunca se esquecem de defender seus interesses. Recusar-se a fazer contas raramente traz benefícios aos mais pobres.
- O mercado e o voto são apenas duas maneiras polarizadas de organizar as decisões coletivas…o ponto essencial é que essas diferentes formas de controle democrático do capital dependem, em grande medida, do grau de informação econômica de que as pessoas dispõem.
- Quando uma dívida pública se aproxima de um ano do PIB, uma diferença de alguns pontos sobre a taxa de juros tem consequências consideráveis.
- …os bancos centrais não criam riqueza; eles redistribuem riqueza.
BONS MOMENTOS
- …para que a democracia possa retomar o controle do capitalismo financeiro globalizado neste novo século, também é necessário inventar novos instrumentos, adaptados aos desafios de hoje. O instrumento ideal seria um imposto mundial e progressivo sobre o capital, acompanhado de uma grande transparência financeira internacional. Essa instituição permitiria evitar uma espiral desigualadora sem fim e regular de forma eficaz a inquietante dinâmica da concentração mundial da riqueza.
- Na França, assim como nos Estados Unidos e em todos os países estudados, as maiores rendas declaradas no imposto sobre a renda em geral não ultrapassam algumas dezenas de milhões de euros. Segundo as informações publicadas na imprensa e que a própria Liliane Bettencourt revelou sobre o montante de seus impostos, parece, por exemplo, que a renda fiscal declarada pela herdeira da L´Oréal, a maior fortuna francesa há anos, nunca ultrapassou os cinco milhões de euros anuais, ou seja, pouco mais de um décimo de milésimo de sua fortuna (que ultrapassa atualmente os 30 bilhões de euros). Não importa quais sejam as incertezas e os detalhes nesse caso individual – que, aliás, não tem a menor relevância –, o fato é que a renda fiscal representa aqui menos de um centésimo da renda econômica.
- As revoluções inglesa, americana e francesa se situam dentro dessa lógica: os sistemas fiscais que implantaram não visam, de maneira alguma, à redução das desigualdades patrimoniais. Os debates em torno do imposto progressivo eram acirrados durante a Revolução Francesa, mas o princípio da progressividade foi por fim rejeitado. Devemos destacar que mesmo as proposições mais audaciosas da época parecem hoje relativamente moderadas em termos de taxa de tributação.
- O exemplo histórico mais interessante de um tratamento prolongado de austeridade é o do Reino Unido no século XIX. Foi necessário um século de superávits primários de 2 a 3% do PIB por ano em média, de 1815 a 1914, para que o país se livrasse da enorme dívida pública originada nas Guerras Napoleônicas. No total, ao longo desse período, os contribuintes britânicos gastaram mais recursos em pagamento de juros da dívida do que nas despesas totais com educação. Era uma escolha que atendia, sem dúvida, aos detentores dos títulos de dívida. Contudo, é pouco provável que ela tenha sido pensada para atender ao interesse geral do país. Podemos imaginar que o atraso educacional britânico tenha contribuído para o declínio econômico do Reino Unido ao longo das décadas seguintes.
- Foram as guerras, e não o sufrágio universal, que conduziram à ascensão do imposto progressivo. A experiência da França na Belle Époque demonstra, de forma cabal, o grau de má-fé atingido pelas elites econômicas e financeiras para defender seus interesses, assim como às vezes o dos economistas, que ocupam hoje um lugar invejável na hierarquia americana das rendas e que têm uma desagradável tendência a defender com frequência seus interesses privados, ocultando-os por trás de uma improvável defesa do interesse geral.
- …Se acumularmos o crescimento total da economia americana ao longo dos trinta anos que antecederam a crise, isto é, de 1977 a 2007, observa-se que os 10% mais ricos se apropriaram de três quartos desse crescimento – o 1% mais rico absorveu sozinho cerca de 60% do crescimento total da renda nacional ao longo desse período. Para os 90% restantes, a taxa média de crescimento da renda foi de menos de 0,5% ao ano. Essas cifras são incontestáveis e assombrosas: a despeito do que se pense sobre a legitimidade da desigualdade de renda, elas merecem ser examinadas com muita atenção. É difícil imaginar uma economia e uma sociedade que funcionem para sempre com uma divergência tão extrema entre os grupos sociais.
- A partir de 1932, o desemprego alcançou um quarto da população ativa nos Estados Unidos, na Alemanha, no Reino Unido e na França. A doutrina tradicional do “laissez-faire” e não intervenção do governo na vida econômica, que prevaleceu em todos os países no século XIX e, em grande medida, até o início dos anos 1930, caiu em duro descrédito. Vários países optaram por um maior intervencionismo. Naturalmente, os governos e a opinião pública questionaram a sabedoria da elite financeira e econômica que havia enriquecido conduzindo o mundo até a beira do abismo.
O AUTOR
Formado pela London School of Economics e pela École des Hautes Études em Sciences Sociales na França, Thomas Piketty foi professor de economia do MIT e hoje leciona na École d’ Économie de Paris. Possui inúmeros artigos publicados nos principais periódicos especializados, como Quarterly Journal of Economics, Journal of Political Economy, Amerivan Economic Review e Review of Economic Studies. É autor também de diversos livros sobre economia e distribuição de renda. Por sua obra, recebeu em 2013 o Prêmio Yrjo Jahnsson,conferido pela Associação Européia de Economia (conforme a orelha do livro).
PUBLICAÇÃO
O livro “O CAPITAL no seculo XXI”, de autoria de Thomas Piketty, foi publicado no Brasil em 2014, pela editora Intrínseca, um ano depois de sua edição original na França com o mesmo título (Le Capital au XXIe siècle).
O livro tem 669 páginas, muitas delas ilustradas por gráficos, sem apresentação ou prefácio, incluindo mais de cem delas dedicadas a notas e referências.
CIRCUNSTÂNCIAS
As projeções para o futuro não são uma novidade no mundo da economia. Thomas Malthus, em 1798, previa que a superpopulação era a maior ameaça, seria impossível alimentar tanta gente, os recursos eram escassos e não cresciam na mesma velocidade. David Ricardo escreveu que o preço da terra subiria aumentaria demais, chegaria aos céus. O agrônomo inglês percorreu toda a França e narrou a miséria terrível num país que já tinha trinta milhões de habitantes (hoje pouco mais que o dobro). Karl Marx previu o fim do capitalismo, falando do “princípio de acumulação infinita”, uma concentração de capital sem limites, sem freios. De outro lado, Simon Kuznets (já no século XX) atestava que essa concentração era um efeito apenas inicial e passageiro do capitalismo. Estes são citados na introdução que o autor faz ao livro.
Thomas Piketty encontrou um grande vazio de dados precisos e de conhecimento científico sobre a desigualdade, sobre a concentração da riqueza. E resolveu estudar a riqueza e a renda do trabalho e do capital. Reuniu dados sobre eles cobrindo um longo período de tempo (quase duzentos anos) e sobre uma vasta área (vinte países). Comparou os índices obtidos e verificou os padrões e os desvios, debateu todos. Colocou como pano de fundo desses dados o crescimento da economia e a taxa de juros. A partir desses dados precisos, rigorosos, faz sua análise, tira sua conclusão e apresenta uma proposta concreta.
A IMPORTÂNCIA DO LIVRO
Há um dito popular muito conhecido sobre a desigualdade: “os ricos ficam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres”. Até agora, isto era apenas uma impressão. Não é mais. Piketty prova que é verdade científica em mais de vinte países, por duzentos anos. Os níveis de concentração da riqueza são alarmantes e está em marcha um processo de aceleração dessa desigualdade. Há riqueza de dados sobre o passado e o presente. Projetada a longo prazo, essa desigualdade se tornará intolerável, injustificável por qualquer discurso razoável. O autor propõe um encaminhamento para o problema: criar um imposto anual internacional sobre o capital, acompanhado de um sistema de transparência do capital nos mercados financeiros mundiais.
Tão importante quanto a questão central é o fato de que o autor escreve com clareza, simplicidade e elegância, de forma a tornar a leitura acessível a todos. O livro faz viagens no tempo e no espaço para mostrar como a economia pode ser uma ciência socialmente responsável e como seus assuntos podem ser apresentados e debatidos de forma agradável. Até por isso, não faltam críticas aos economistas.
A advertência do livro é séria e grave, e agora é apresentada com rigor científico. Só o futuro dirá o que economistas e outros acadêmicos, os governos e os líderes políticos farão a respeito, além de saudar o autor e o livro como as estrelas do momento.
O LIVRO
A macroeconomia é apresentada de forma didática para que se possa discutir a questão da renda do capital (lucros, juros, aluguéis, dividendos etc) e do trabalho (salários, basicamente) e da distribuição da riqueza. Dados de vinte países, cobrindo os séculos XVIII, XIX e XX, entrando pelo XXI, são apresentados por períodos e se percebe uma clara curva que aponta para o maior crescimento da renda do capital e da forte concentração da riqueza. Esta tendência só é quebrada no período que vai de 1914 a 1945, que cobre as duas guerras ditas mundiais.
Os dados são apresentados e comentados em linguagem acessível e em ritmo mais do que didático, sem economês, sem tecnicalidades exageradas. A apresentação de dados de cada país ou região é acompanhada dos respectivos fatos e eventos históricos locais relevantes, de maneira a evitar a manipulação dos dados em favor de alguma tese.
Piketty propõe e defende a ideia da criação de um imposto anual internacional sobre a riqueza (o capital), a ser implantado junto com uma estratégia de transparência bancária mundial, como forma de estabelecer algum controle sobre o mercado financeiro globalizado (que, em 2008, mergulhou o mundo numa crise que ainda devasta). Lembra o autor que sua ideia não busca uma tributação que resolva a desigualdade social, não precisa, portanto, concentrar o foco numa meta expressiva de arrecadação. Examina outras possibilidades e ferramentas para redução de desigualdades, como a educação e a tecnologia, antes de descartá-las, mas reconhece que sua ideia é uma utopia.
A leitura flui agradável, na medida em que Piketty consegue ser elegante na sua exposição, consegue ser equilibrado (embora firme) nas suas avaliações e convincente nas conclusões, todas elas expostas ao leitor com uma argumentação baseada em realidades econômicas e políticas que fazem do livro um belo passeio pelo mundo e pela história, pela economia e pela política. Com seu trabalho, Piketty consegue mostrar que ainda é possível sentir respeito e admiração por um economista.