Alguns amigos, como eu, ouvimos, tomados de uma coerente perplexidade, os votos dos ministros do STE na decisão concernente à cassação dos direitos políticos do ex-presidente Bolsonaro. A ponderação brotou, em meio a uma condenação coletiva, da minoria mínima à qual coube quebrar a unanimidade anunciada que a todos enchia de cuidados e graves apreensões.
As razões que sustentaram a decisão final, no Pleno, pelo voto da maioria,seguiram a mesma inspiração e sequer levaram em conta motivos sobejos para a ampliação, em plenário, da discussão em torno de questões, aliás, prontamente ignoradas.
O mais inquietante, no conjunto das denúncias e das convergências construídas, mesmo para quem não se inclui entre os distinguidos pelo domínio da ciência jurídica, foi ouvirem-se de vozes transidas pela força da autoridade em faces hirtas, indiferentes aos reclamos da gente comum, a afirmativa de que a “opinião”, a liberdade de expressão, deve nortear-se pelos ditames da lei. Ao povo cabe, assim expuseram alguns dos eminentes juízes, percorrer os canais estreitos do tráfego da opinião, pautada nos limites que a lei e o juízo determinarem. A expressão é livre, de acordo com a ótica de quem aprecia e julga, segundo a lei e conforme os limites autorizados pelo legislador e cobrados nas instâncias nas quais são formadas as garantias jurídicas e constitucionais.
A opinião, como parecia ao dr. Goebbels, criador de uma forma incomum de retórica da injunção, deve esgueirar-se pelas raias entre as quais se permite corra a passos lerdos e comportados a interpretação que o Estado permite possa ser adotada pelo que comumente se chamava de povo.
O rigor estampado no olhar severo daqueles senhores e senhoras parecia ocultar o temor de um contraditório lançado pelas vozes ameaçadoras do Zé povinho, recolhido após a onda terrorista de 8 de janeiro, ao seu devido lugar, como importa à nova democracia relativa, concebida pelo general Geisel na sua passagem pela presidência e, agora, reiterada com a conceituação oferecida pelo presidente Lula nos seus raros vagares de pensador político.
Conseguimos com as nossas diligências e a perseverança da nossa esperteza o que para Hitler, Mussolini e Stálin parecia desafio impossível de ser enfrentado. A relativização da democracia e a adição de um modelo imprescritível, ao bom estilo das hipérboles forenses — uma ditadura legal, amparada por institutos constituídos por um forte lastro do novo “garantismo” jurídico em moda.
A proliferação de leis e de uma processualística do tamanho da burocracia jurídico-forense que domina, no Brasil, as razões essenciais do direito, ampliaram o espaço que separa historicamente a “Justiça” das “leis” e aprisionam o justo ao legal, o Direito aos mecanismos que o deformam e retiram a sua força.
Já não carecemos de uma Constituição como ocorria, outrora, ao entendimento dos homens de Estado e de governo. Talvez um “Guia de Obrigações”’ nos baste a nós, reles cidadãos. Um ordenamento pratico e seguro para que possamos encontrar — os desvalidos de razões objetivas —, regras e notificações que informem ao cidadão o que lhe cabe como direitos, além de recolher impostos, votar e exaltar as autoridades constituídas. O que poderia ser uma carta de navegação para que gente como nós não seja induzida ao erro pela ignorância ancestral que fez no Brasil do povo o “não povo” com o qual foi construída temerariamente a República na qual fizemos morada. Com um adendo explicativo sobre o real significado do que vêm a ser “povo” e “opinião”.
Tudo coberto pelas boas maneiras da cautela e da prudência para que algumas arrelias carnavalescas, que possam ocorrer, por excesso de alegria, não sejam confundidas com atividades antidemocráticas, justamente tidas como impatrióticas.
Em tempos assim aziagos, melhor faz quem se recolhe e cuida da parte que lhe coube neste minifúndio de vozes comedidas, de preferência caladas.