Os anunciadores da democracia relativa e lenta, porém gradual e segura, a exemplo de Geisel e Lula, seguem uma linha coerente de convergência. Nem as suas origens, na caserna ou nos sindicatos, cada um sujeito às correntes da sua disciplina, os diferenciam quanto a liberdade como bem de consumo de massa. O operário e o general são iguais perante a lei e cuidam de regrar a sua democraciazinha de uso familiar.
A lépida produção de leis pela usinagem alimentada com princípios transeuntes, aqueles que não carecem de explicação ou justificativa, descobriu o bolso, entre as vísceras secundárias do corpo humano, aquela que controla a vontade, os anseios e o caráter dos homens e, seguramente, das mulheres e de gêneros outros que a legislação reconhece ou haverá de reconhecer.
Descobriram os hermeneutas e anunciadores da justiça que nenhuma pena, sob o regime capitalista, poderá ser mais severa e desmoralizante do que aquelas que desprovisionam os cidadãos sob suspeitas de atividades antidemocráticas, do que o bolso.
Os políticos, estes demonstram sensibilidade mais apurada nesta região onde se localiza o bolso, lugar ao qual são recolhidos os ganhos de uma perseverante atividade em favor da pátria e dos cidadãos, lide patriótica a que se entregam muitos parlamentares no exercício do seu mandato.
Dar ou recolher, conceder ou retirar são operações que servem de controle sobre as relações políticas no seio da nação.
Como castigo, apenamento ou tortura financeira, como alguns enxergam estas práticas, nada mais eficaz do que a desmonetização de um empresa ou de suspeitos de terrorismo social para calar os discrepantes e recalcitrantes da ordem constituída. Nem a fogueira da Inquisição, nem a morte, com a cabeça separada piedosamente do corpo, e guardada na cestinha da guilhotina no Terror, assustavam tanto as pessoas quanto o esvaziamento do seu bolso e das suas reservas acumuladas no serviço da pátria.
Um homem privado da sua honra pode sobreviver, que honra não é mercadoria de primeira necessidade. O bolso, entretanto, tem um preço no mercado.
É nesta parte pudica do corpo humano onde se processam justamente as alianças e as dissensões; é nesta glândula reguladora da felicidade e da vaidade que têm início todas as revoluções, as razões da fé e a desesperança.
O bolso é o símbolo metafórico do poder dos homens e das mulheres de onde se extraem os ideais, as utopias regeneradoras e as ideologias. Pelo bolso constroem-se as regras, o poder da burocracia e destituem-se as criaturas da sua cidadania.