Antônio Martins Filho foi buliçoso desde criança, lá pelo Crato. Filho, com mais quatro irmãos, de Antônio de Jesus Martins, tudo lhe chegou por antecipação. Por esforço próprio, pela garra de realizador, que foi o traço marcante da sua passagem por onde esteve e viveu.
Fez de tudo um pouco, criou, improvisou, inventou, deu luz e forma aos seus sonhos e enfrentou os desafios a unha, como o toureiro na arena à espera do miúra, tranquilo e atento aos reveses do destino.
Foi tipógrafo no Crato, soltou solfejos como terceira trompa da banda de música, caixeiro da Pernambucana, gerente, bacharel. Desceu as trouxas na ponte metálica, em Fortaleza, depois de uma parada por Caxias do Maranhão, onde fez família.
Corte viscontiano.
Não foi difícil convencer-se e persuadir a outros da necessidade de uma universidade no Ceará. Os incrédulos riam, os homens de governo não entendiam porque criar uma universidade aqui.
“ — São coisas do Martins…”
Muitos políticos não acreditavam no sucesso da empresa, mas, por via das dúvidas, já tinham no bolso do colete o nome do reitor. Não faltavam opções ao PSD daqueles tempos. Otávio Lobo aceitou incomodado aquela decisão.
No Ceará, tivemos um reitor apalavrado, antes da criação da universidade que deveria conduzir. Os homens públicos são, de regra, prudentes. Ademais, fosse federal a universidade, muitos seriam as vagas de emprego a compartilhar com as bases eleitorais porque, como todos sabem, não se faz política sem demissões e nomeações.
Outro corte viscontiano.
Reitor, Martins Filho, percebeu que era próprio às universidades ter tradições firmadas. Vira esse requinte por onde passara, mundo afora, a visitar universidades.
Uma universidade sem bandeira, brasão, vestes talares, borna e precedências assinaladas não seria digna dessa condição de Alma Mater, como assinalava Valnir Chagas, teórico ilustre, dos mecanismos acadêmicos.
Impunha-se a criação de uma tradição de inspiração medieval para dar cor e integridade à universidade do Ceará. Com brevidade.
Martins Filho reúne as figuras gradas, médicos, juristas e cientistas para tratar do desenho das tradições carecidas.
Por onde começar? Um cerimonialista: Tobias, bedel da Faculdade de Direito, foi convocado para o serviço ativo nas solenidades.
Um especialista em heráldica, localizado em São Paulo a criar tradições,
criou o brasão da universidade; a carnaubeira assinalava a associação do agreste nordestino com as fontes do Saber.
Faltava o envólucro para os acadêmicos e doutores saídos da usinagem universitária.
Por esse tempo, exauridas a capacidade de improvisação de Tobias, foi convocada, pela sua finesse e pelo talento de dama cultivada, Heloísa Facó.
Heloísa pôs-se a campo, urdiu, modelou, transpôs, criou procedimentos, passou a ferro os paramentos acadêmicos, barretes e murças, togas e vestes talares. Propôs uma tradição engenhosa, com requintes de bom gosto, e mais teria feito não fosse a impaciência de Martins Filho em ver aquela parafernália de ritos e ordenamentos prontos para uso imediato.
Heloísa, impecável, convencia o reitor e espanava as suas dúvidas quanto as gradas formalidades:
“ — Heloísa, veja lá, não exagera, não precisa ser igual ao ritual de Oxford!”
“Não sei porque foi assim. Só sei que foi assim…”, Chicó – “O Auto da Compadecida”.