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JÁ VESTIU A SUA BURKA IDEOLÓGICA HOJE?

O uso do cachimbo entorta a boca. O uso da burka rouba o rosto das mulheres de Cabul.

A burka veio para ficar no Afeganistão e em outras paragens daquela região por onde, em pleno século XXI, veem-se ainda os traços marcantes das estradas de Dario.

Um rei cioso da belezas das mulheres do seu harém decidiu cobrir o rosto e o corpo daquelas esposas e concubinas para que não chamassem a atenção e provocassem a cupidez dos homens, fora do palácio, quando fossem ao bazar.

De logo, os ricos enfiaram-se em ricas burkas, de seda, bordadas a ouro, e fixaram o padrão de luxo para as novas vestimentas. Os pobres passaram a imitar os ricos como podiam, e as mulheres afegãs mostravam a sua vontade de parecer igualmente belas e dissimuladas sob os mantos azuis que protegiam a sua intimidade, tendo os olhos protegidos pelas rendas que os ocultavam.

Vieram os talibãs e, de recurso da moda, a burka virou padrão obrigatório de recato. Os castigos eram severos para as mulheres que se aventurassem a mostrar o rosto ou pintarem as unhas…

Vencidos os talibãs e as suas crenças religiosas, desvencilhadas das regras estritas por tanto tempo impostas, as mulheres ricas foram as primeiras a abandonar os grossos panos que as isolavam e a protegiam do mundo. Sobrava-lhes a certeza de que elas, ricas mulheres ricas, conferiam à burka a representação que as distinguia em uma sociedade burguesa e não o contrário.

As mulheres pobres, entretanto, resistiram e lutaram em defesa da permanência das burkas, esquecidas das limitações que elas lhes impunham. Afinal, era aquela indumentária que lhes garantia status na sociedade afegã e que as faziam sentir-se iguais. Não eram ricas, porém mostravam-se como se o fossem. Vá-se entender o sortilégio da luta de classes no plano superior da moda de vestir… Nem Marx supusera que a burka pudesse simbolizar, um dia, nas areias quentes do Afeganistão, a discriminação odiosa entre ricos, burgueses e proletários — e a conquista de status em uma sociedade

E tanto se empenharam, as pobres mulheres pobres para guardarem à mão as suas requintadas burkas e o seu status, que não as largariam por gosto ou por imposição legal. O que era rótulo senhorial de nobreza e riqueza perdurou distintivamente em um sociedade fechada e muito sólida…

A persistência das burkas sugere que coisa assemelhada possa acontecer aqui, deste lado ocidental do Planeta, não necessariamente pela prisão da roupagem uniformizadora, ainda que a juventude e os intelectuais tenham a sua barba hirta e negra ou raiadas grisalhas, e as indumentárias que marcam a sua ideologia… Mas, pela vontade de se enturmarem em tribos homogêneas nas ideologias, nas variações multiplas das preferências sexuais, no identitarismo que os aproxima mais, tudo justificava que a burka permanecesse em uso. Como afirmação de conquista social realizada.

A burka entre nós não são os capacetes de moto, que desses aparatos só os pobres usam por necessidade nas suas árduas corridas pelo trânsito das cidades ou pela poeira das estradas.

Usam-na ricos e pobres, dotados todos de uma vocação incontida para o progresso, os que buscam uma novilíngua que os distinga dos que falam outros idiomas e favoreça
a identificação dos traços que os tornam assemelhados. Pertencer à tribo, pensar como os seus membros, agir como eles, acreditar no que o grupo constrói e compartilha — eis o que os encoraja e os torna diferentes do resto, os “fascistas”.

Quem veste a burka ideológica não a deixa mais, dela se vale na condição de novos revolucionários, alimentados, quando no poder, pela fonte inesgotável da sua dialética e pelos recursos do erário, lá para onde corre o que o fisco arranca dos que produzem e trabalham de verdade.

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