Indignação e corrupção

A indignação é um sentimento útil quando experimentado pelas massas, na medida em que ela pode por em marcha algum processo de cobrança dirigida aos agentes públicos que, ao fim, resulte em mudança. Quando sincera, profunda e continuada, ela pode motivar e mobilizar iniciativas com potencial de avanços da sociedade.

Quando, entretanto, a indignação é o elemento frio e raso do discurso de governantes, parlamentares e jornalistas, pode transmitir uma ideia de oportunismo e manipulação. Estes são os profissionais da vida pública. Deles se espera que passem rapidamente da cansada e inútil falação para algo mais consequente, algum tipo de ação ou proposição.

O “perigo vermelho”, a velha conversa da “ameaça comunista”, serviu de pretexto para muitos discursos indignados. O bom senso sugere que o Brasil nunca correu risco de virar um país comunista. Nunca, tudo indica. Era só oportunismo e manipulação.

A corrupção é mais usada do que o comunismo nos discursos. Fenômeno sempre presente, concretamente, em nível federal, estadual e municipal, nos três poderes, unindo poder público e iniciativa privada, cornetado pela imprensa, a corrupção é projetada pela indignação exagerada de jornalistas, gestores públicos e parlamentares, todo ano, o ano inteiro.

Duas mentiras são adicionadas como tempero à corrupção. A primeira é que este é o maior problema do país. A segunda é que leis mais duras porão freios nos corruptos, acabarão com a impunidade. Isso permite deixar tudo do jeito que está, facilita manter o serviço público como criminoso central (poupando corruptores) e evita que sejam debatidos os reais problemas do país e de sua gente.

Comunismo e corrupção acabaram servindo de pretexto para seguidas viradas de mesa no jogo do poder, a história mostra, a favor de quem perde no voto.

O corrupto e o corruptor não consultam o Código Penal antes de agir. Se muito, ele teme ter seu ato percebido. Ele teme ser descoberto. Ele se ocupa de não deixar rastros.

Assim, pulando a indignação e evitando o lugar comum de enfrentar o problema com leis e penas mais duras, este texto propõe contribuir objetivamente com uma ideia que tem, pelo menos, o mérito da simplicidade (nenhuma legislação é requerida, dispensa novas estruturas, não onera o cofre público, abrange toda a máquina pública e é fácil de implantar).

A proposta é que cada órgão público, através da pessoa que ocupa a posição mais alta da hierarquia, defina a cada momento os “Atos de Repercussão Financeira” — decisões e ações que envolvem direta ou indiretamente quantia relevante de dinheiro ou benefícios potenciais.

Definidos, estes ARF’s terão uma Cadeia de Responsabilidade (CR) fixada, função por função, servidor por servidor, etapa por etapa — quem propõe, quem analisa, quem negocia, quem decide, quem elabora edital e contrato, quem avalia a execução, quem autoriza pagamento, quem faz controle de qualidade etc.

Pronto, esta é a proposta. Cada gestor líder define os ARFs e estabelece a CR. E faz as devidas anotações e deixa-as à disposição de tribunais de contas, do Ministério Público, do Parlamento e de eventuais auditorias e corregedorias. E faz isto no instante em que acontece cada etapa.

Quem já venceu uma licitação viciada ou vendeu serviço superfaturado sabe que no serviço público a responsabilidade nunca é definida claramente. É a utilização indevida, invertida e criminosa do princípio da impessoalidade. É a partir daí (dessa fragilidade) que o corrupto e o corruptor conversam e decidem agir. É a indefinição nítida da responsabilidade de cada etapa, de cada função, de cada servidor que dá base a uma avaliação fria da relação risco-retorno. A indefinição é que leva à conclusão de que o crime compensa.

E aí a corrupção acontece. Hoje os atos de repercussão financeira estão diluídos nas rotinas, processos e montanhas de papéis espalhados e não há para cada um deles uma cadeia de responsabilidade estabelecida. O crime nem deixa rastros, ninguém pode ser responsabilizado.

Claro que basta selecionar só uns poucos Atos, os mais relevantes, um número entre cinco e dez por ano. O comando deste procedimento é responsabilidade exclusiva e intransferível da maior autoridade do órgão.

Simples assim.

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