FAZER A GUERRA, CLAUSEWITZ?

“Pensar a guerra, Clausewitz?”, Raymond Aron

A América do Sul está saindo da condição histórica de uma região periférica, dependente, para ingressar no cenário da globalização político-ideológica de blocos econômicos e militares dominantes.

Dependente, desde a origem, pelo efeito do longo processo de colonização a que foi submetida, do qual emergiram territórios e nações, transformados em países satélites da cultura, dos condimentos da fé e do mercantilismo dos centros civilizatórios europeus.

Adotaram a mesma língua (à exceção do Brasil e de possessões insulares no Caribe), aceitaram uma mesma religião, receberam, por imposição e decorrência de uma ação colonizadora dispersa e dispersiva, e uma mesma cultura peninsular, aprisionada pelos regramento da fé e das imposições da Coroa.

Guerrearam, durante séculos, tornaram-se países independentes, criaram as suas próprias oligarquias, destruíram as populações autóctones ou as absorveram em condições iníquas. Expandiram o comércio infame da escravidão. A independência teve o ar e a graça de de um direito provisório. Vivemos, por séculos, até estes dias, amarradas pelos laços de dependência econômica aos quais as sociedades locais construíram a sua riqueza. Riqueza provinda das provisões da terra, da agricultura e da mineração. O mesmo patrimônio consolidou, aliás, a apropriação dos ganhos roubados aos que o produziram e seguiram para as Cortes, com a intermediação da nobreza, do clero, e da burguesia nascente.

Duas guerras e as transformações delas decorrentes, mexendo a fundo no mapa das grandes potências mundiais, despertariam ideias e aspirações, incorporadas pelas ideologias despertadas à sombra do comunismo-bolchevista e do fascismo. Lênin e Mussolini, Hitler e Stálin, e a imensa horda de ideólogos e ativistas revolucionários que os seguiram, deram conteúdo e forma a ideias mal arrumadas que hoje dividem o mundo.

O Brasil não escaparia a esses eventos que anunciavam um novo mundo e um novo homem. Conhecemos, todos, esta história.

A revolução russa é, entretanto, depois da consolidação do cristianismo por Paulo e Constantino na maré crescente do catolicismo, o maior evento social e o que marcas mais profundas deixou na humanidade. As guerras religiosas estão neste pacote de grandes revelações. E continuarão desempenhando papel decisivo na história e na modelação de uma nova cartografia geopolítica, animadas pelas alianças e pactos gerados nos campos minados das distopias.

A América do Sul, salvo as guerras e as campanhas da libertação e da independência, mantiveram-se em isolamento, cumprindo certo recolhimento aos seus territórios e às suas próprias limitações. A segunda guerra mobilizaria, como registra a nossa memória guerreira, contingentes militares de alguns países da região, a exemplo do Brasil. Nossos aprendizados nos afazeres da guerra são recentes, fomos supridos nas nossas carências bélicas pelas missões estrangeiras que nos visitavam e pela determinação de chefes militares brasileiros, pertencentes a uma geração de espíritos cultos segundo os ritos dominantes à época, franceses e americanos.

A expansão das esquerdas e de formas amorfas de acentuado populismo , a uma só vez, ingênuas, oportunistas e carecidas de inspiração política. Até hoje não conhecemos sequer o seu nome, nem os seus anseios. Transformamo-nos, diante dos interesses mal dissimulados, nos fiéis seguidores das ideologias da moda. Em nome de uma democracia que estamos por inventar. A atuação destes contingentes de pensadores e revolucionários, e das suas incertas e convenientes alianças, não nos levaram a celebrar alianças militares com potências estrangeiras. Guardamos, por prudente cautela, distância dos grandes estrategistas e dos mercadores de armas que fazem o negócio da guerra entre uma freguesia sabidamente pobre.

As guerras internas de guerrilhas foram, por felicidade e bom senso,campanhas temporárias nas quais aprendemos o essencial da beligerância. Não temos alianças militares, tampouco pactos de defesa que nos associem e obriguem a compromissos suspeitos.

Mas corremos seriamente o risco de os termos em breve.

A Venezuela, como Cuba no passado com a sua aproximação militar com a Rússia, alguns países andinos, a Argentina e muito provavelmente o Brasil estão na fila para a compra do seu passe e pagamento de pedágio para a condição de potências militares internacionais.

A diplomacia abre caminhos largos para formações de cooperação com a Rússia e a China. A mídia parece disposta a associar-se a conglomerados midiáticos russos e chineses. Ou tê-los como sócios no capital das suas empresas. O Islã demonstra a sua simpatia pela divulgacão da cultura islâmica no País.

Governantes, empresários, tecnocratas e militares são facilmente seduzidos pela miríade do poder militar. Pelo poderio de alianças regionais. Cada uma dessas corporações, movida por interesses particulares, tem as suas razões estratégicas. A motivação para a construção de um poderio militar respeitado internacionalmente traz orgulho a todos os patriotas e aos beneficiários diretos de um empreendimento que, no fundo, está associado a grandes investimentos, destes que “criam” empregos, na visão equivocada dos grandes empreendedores, transformam-se em notícias convincentes e asseguram poder aos que governam. E encantam os modeladores do pensamento geopolítico de inspiração diplomática.

Doutrinas militares e estratégias diplomáticas servem, nestas curcunstâncias, para fortalecer a confirmação teórica aos rasgos patrióticos bem nascidos, a produzir doutrinas e a enchê-las do que aparentemente lhes emprestam os rigores da ciência, da tecnologia e das artes milenares da guerra.

Espanta que temas como este não aqueçam a pauta acadêmica, apoderada no campo da economia e das ciências sociais, por temas e questões ideológico-orgânicas que não esgotam o essencial das grandes motivações humanitárias e civilizatorias do nosso tempo.

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