Houve um tempo em que contadores tinham grande prestígio no mundo dos negócios e nos meios sociais. A contabilidade era a ferramenta gerencial decisiva e instrumento central de garantia do cumprimento da lei na selva das transações de dinheiro. Mas, com o tempo, um novo contador surgiu. Era aquele que, perguntado pelo empresário “quanto é a soma de 2 mais 2?”, respondeu de pronto: “Quanto o senhor quer que seja?”. Foram os próprios contadores que corroeram a sua credibilidade, quando flexibilizaram princípios e valores. Em tempos bem recentes, os conselhos reguladores da profissão articularam medidas saneadoras, antes tarde do que nunca, a recuperação está em marcha, mas o estigma ficou. E cobra ainda dos profissionais um preço alto, inclusive em dinheiro.
Houve um tempo em que os economistas tinham enorme respeitabilidade. Sua capacidade de explicar e dar ordem lógica a processos financeiros e sociais complexos impressionava e encantava todas as audiências. No Brasil dos anos 1980 e parte dos 1990, então, os economistas detinham quase que o poder exclusivo de iluminar e explicar o inexplicável. Eram os anos de inflação galopante, dependência externa, submissão ao FMI e ao Comitê de Bancos Credores, a ciranda financeira, enfim, a crise permanente. E havia economistas com visões diferentes, conflitantes, contraditórias, uns defendendo os governos ou suas políticas, outros criticando-as, uma riqueza de pontos de vista.
Infelizmente, isso acabou, isso passou. Uma espécie de consenso raso se espalhou como vírus e hoje, pelo menos na mídia, todos são incondicionalmente a favor de algo, nada mais se considera, nada mais se debate, nada mais se analisa. São os “economistas de mercado”, defendem as mais obscuras “reformas”. Dizem o que agrada à mídia, sequer se atrevem a pensar e dizer o que pensam, se isso não for exatamente o que a mídia espera que eles digam. E todos dizem na mídia a mesma coisa, uma pobreza. E já lá se vão três anos deste raso, frágil e falso consenso.
Houve um tempo em que jornalistas tinham enorme credibilidade. Regra geral, expunham informações com base nos fatos, faziam análises desapaixonadas, eventualmente ouviam pontos de vista diferentes e, os mais criteriosos, separavam informação de opinião. É verdade, creio, que os editores (os donos) sempre impunham sua opinião, tinham e continuam a ter o direito de fazê-lo, mas havia um limite. Havia uma âncora que os prendia aos fatos e algum espaço para o mínimo contraditório sempre se manteve, de novo pela força dos fatos. E, apesar de funcionarem sempre como um cartel, todos tinham compromisso com sua própria respeitabilidade, com a busca dos “furos”, com a mínima concorrência, com a diferenciação de cada um.
Parece que tudo mudou, há uma percepção evidente de declínio. Abertamente se oferecem a meia-mentira e a meia-verdade, é pouco ou nenhum o compromisso com os fatos, é menor ainda o apego a princípios e valores (legais, democráticos, humanos, sociais, jornalísticos). Abertamente se pratica a desinformação e a manipulação, a verdade está indisponível (onde buscá-la?). Que jornalistas, além das evidentes exceções (Jânio de Freitas, por exemplo), podem hoje ser merecedores de admiração pelo compromisso com os fatos e pelo respeito a valores na grande e tradicional imprensa? Ou pelo equilíbrio na análise política?
Os profissionais do jornalismo e os próprios editores (donos) vestem a carapuça, ao aceitar passivamente que vivemos os tempos da pós-verdade e dos “fatos alternativos”.
Cabe a cada profissional economista e jornalista proteger sua profissão, seu mercado e seus interesses mais legítimos. A melhor maneira de fazê-lo é harmonizar tudo isso com princípios e valores. Se eles o fazem, é hora de mostrar isso à sociedade, porque a percepção de hoje é que eles estão a defender interesses localizados e pouco legítimos, ignorando os fundamentos.
Economistas e jornalistas podem sair muito feridos pela crise que ajudaram a construir e contribuem para manter e ampliar.