A imprensa tradicional e o mercado estão mais uma vez unidos noutro consenso: a reforma previdenciária. O mercado quer mudança e o governo quer atender ao mercado. O Congresso costuma seguir a onda. A reforma é vendida como algo urgente e como uma medida destinada a salvar os aposentados. Sim, o discurso é de que dificultar-se-á e reduzir-se-á a aposentadoria para beneficiar os aposentados. Propaga-se a ideia de que há um déficit explosivo e que só há uma saída: apertar o cinto de quem já é aposentado, retardar e reduzir a aposentadoria dos que estão trabalhando.
Para formar a opinião pública, números de déficits são calculados e divulgados diariamente, várias vezes ao dia, no jornal, no rádio, na televisão, na internet. Previsões catastróficas são feitas com enorme desfaçatez: “sem reforma, o sistema quebra em poucos anos”, “em 20 anos, o rombo chegará a tantos bilhões”, “em 10 anos, o déficit será de tantos bilhões”. E a saída única é repetida como se ciência fosse, uma coisa aritmética. Discussão séria, transparente, não há.
Os economistas de mercado confirmam tudo o que se espera que eles confirmem. O sucesso é confirmar o consenso. Os economistas independentes ou ligados a sindicatos raramente são convidados a falar, e, como perturbam o consenso, não são ouvidos novamente. É assim em todo assunto que interessa ao que se convencionou chamar “mercado”, conceito cada vez mais próximo de mercado financeiro ou mercado bancário.
Em paralelo, analistas e especialistas tratam de educação financeira e de aposentadoria sempre lembrando que a velhice vai chegar e é preciso começar cedo a fazer um plano de previdência privada. E depois de chegar a este ponto, a única discussão é: você deve fazer um VGBL ou um PGBL? Essa é a tabelinha jornalista-economista.
Em 2012, quando a então presidente da República mandou baixar os juros e orientou os bancos oficiais a competir com os privados, os negócios de previdência privada se viram perigosamente ameaçados. Os planos de previdência estavam tendendo a ficar negativos (porque os juros eram baixos e as taxas de administração altas). A presidente brincou com fogo. E queimou-se (o único outro presidente a irritar banqueiros foi Fernando Collor, que coincidência, né?). O mercado de dinheiro para a previdência privada de um país como o Brasil movimenta centenas de bilhões de reais, e tende a crescer. Isso será mais lucrativo e mais fácil de gerir se a previdência pública for cada vez mais enfraquecida.
O governo “desinterino” já acabou com o Ministério da Previdência e Assistência Social. E transferiu os assuntos dessa área para o Ministério da Fazenda, onde ponteia um economista de mercado. Mesmo os governos ditos populares nada de estruturalmente relevante fizeram pelos aposentados, e tiveram tempo e oportunidade (chegaram a vetar o fim do fator previdenciário, aprovado no Congresso).
Mais ou menos um ano atrás, numa troca de figurinhas econômicas com um entrevistado que defendia uma reforma previdenciária urgente, Carlos Alberto Sardemberg, na rede de rádio da rede Globo, fez um revelador comentário: “…a previdência oficial devia caminhar para pagar apenas o salário mínimo…”. Faltou dizer: quem quiser mais do que isso, procure um VGBL ou PGBL.
É para onde caminhamos em marcha acelerada. Quando foi regulamentada há umas quatro décadas o teto da aposentadoria era equivalente a dez salários mínimos, hoje não chega a cinco. Já hoje sete em cada dez aposentados recebe apenas um salário mínimo. E o consenso é desvincular o piso da aposentadoria do valor do salário mínimo.