No dia 14 de abril de 2022, num auditório cheio de sindicalistas, um pré-candidato a vice presidência exorta;”Quero dizer a vocês, que venho somar o meu esforço, pequeno, humilde, mas de coração e entusiasmo em benefício do Brasil.A luta de vocês, a luta sindical, deu ao Brasil o maior líder popular que este país….Lula! viva Lula! viva os trabalhadores do Brasil”.Um desavisado poderia não notar que o mesmo que proferiu este entusiasmado discurso foi o político que travou uma dura batalha contra o agora homenageado na campanha presidencial de 2006 (fato este lembrado constantemente hoje em dia pelos anti-petistas).O dito cujo, Geraldo Alckmin, não apenas se converteu ao lulismo como saiu do ninho onde fazia morada política e embarcou no barco do PSB. A razão, segundo a dupla atualmente aliada, é formar uma frente ampla democrática que una da esquerda ao centro em uma coalização que possa vencer Bolsonaro em outubro e retomar os ritos democráticos no país. Entender as razões e possíveis consequências desta aliança será o foco deste texto.
Parece que foi ontem. Em 2006, Alckmin e o PSDB eram um dos mais ferrenhos críticos de Lula e do petismo.O mensalão, maior escândalo de corrupção da Era Lula, foi ostensivamente alardeado pela então oposição e pela imprensa(particularmente a revista Veja capitaneada por Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo) que na prática fez com que parte da classe média abandonasse o apoio ao PT[1]. De lá pra cá as coisas mudaram significativamente. O PSDB deixou de ser o grande partido de centro-direita do país e o bolsonarismo devastou qualquer tipo de resquício de direita democrática elevando ao máximo o anti-petismo tucano-midiático. Até Augusto Nunes e Reinaldo Azevedo mudaram(ou não?), com o primeiro deixando cair a máscara de jornalista imparcial e endossando a extrema-direita e o outro abandonando um anti-esquerdismo e apoiando pautas democráticas. Por este motivo, aparentemente, Alckmin abandonou seu antigo ninho, agora dominado por um predador chamado João Doria, e foi para o PSB, num movimento em que os analistas já contavam como uma jogada deliberada para que este fosse indicado como vice de seu antigo desafeto político.
Com Bolsonaro no poder e a prisão do líder petista a oposição de esquerda precisava se renovar e lançar nomes que fizessem o povo, definitivamente, esquecer Lula. Guilherme Boulos, Ciro Gomes e mesmo Fernando Haddad, não conseguiram lograram o apoio necessário para tirar o lulismo de corações e mentes de parte da população, que em suas parcelas mais pobres continua, em geral, apoiando o sindicalista. Muito menos os postulantes da chamada terceira via como Luciano Huck, Sergio Moro, João Doria, Eduardo Leite, Simone Tebet e tantos outros, conseguiram, na centro-direita, suplantar Jair Bolsonaro. Os nomes que, até o momento, possuem chances de vitória e que ocupam o imaginário social em conversas na família, roda de amigos, ambiente de trabalho e sobretudo nas redes sociais são Lula e Bolsonaro.
É preciso lembrar que o PT para vencer eleições ou governar já realizou alianças com figuras controversas de centro e direita no passado recente. Em 2002 a ala mais à esquerda do partido não concordou com a escolha de José Alencar para a chapa com Lula.Posteriormente,no exercício do poder, o partido fez alianças com siglas como PTB,PP(por muito tempo a sigla de Bolsonaro) e PMDB(levando os petistas a apoiarem a família Sarney em eleições no Maranhão).O pragmatismo deu as caras lá como cá. Este fenômeno foi descrito por André Singer como o ”espirito do Anhembi”[2] representando as orientações divulgadas pela ”Carta ao povo Brasileiro” em 22 de junho de 2002, depois aprovadas pelo Diretório Nacional do partido em julho daquele ano, no centro de convenções do Anhembi em São Paulo, onde o comprometimento com a disciplina fiscal e a tentativa de passar segurança para o empresariado foi destaque. Para o PT se adaptar as exigências do sistema político dominante não é novidade.
O intuito político da chapa Lula-Alckmin não é difícil de compreender. A direita e parte da imprensa tradicional lograram êxito na demonização do PT nos últimos anos, ao ponto de senhorinhas nas ruas e igrejas falarem de comunismo como um perigo real para a nação brasileira com o PT como culpado deste processo – fruto da disseminação da burrice promovida por Olavo de Carvalho, clã Bolsonaro e o resto da extrema-direita na internet no mínimo desde 2013. O partido perdeu poder de barganha nas negociações do Congresso Nacional e adesão em parte significativa da população, sobretudo em setores do mercado financeiro e do agronegócio. Alckmin será o fiador da nova era petista entre estes grupos chancelado por seu apoio em Estados relevantes eleitoralmente como Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso além do interior de São Paulo.Sabendo disto a cúpula petista logo procurou assegurar esta aliança que poderá render votos valiosos para Lula num embate com o presidente Bolsonaro.
Porém, uma aliança como esta possui um tom carregado de ”velha política” para ficarmos no termo muito usado por Marina Silva. A gestão de Alckmin em São Paulo foi, para ser moderado, controversa, e a lembrança de tais tempos pode muito bem afastar eleitores de periferias e de minorias sociais da tal frente ampla. Será que um jovem negro que teve sua escola fechada pelo reinado tucano em São Paulo se empolgaria em votar numa frente em que o ex-governador se faça presente? Grupos conservadores evangélicos não se fazem de rogado em apoiar Jair Bolsonaro, o mesmo pode ser dito por pessoas LGBTQIA+ em relação a chapa Lula-Alckmin? Quais as certezas temos deste apoio?
Para ratificar simbolicamente a aliança, Lula declarou que de agora em diante o antigo desafeto deveria ser chamado de ”Companheiro Alckmin”.O pragmatismo, na política, tem suas delícias e desgraças, Dilma Rousseff em seu processo de impeachment aprendeu isso duramente. O que o destino reservará para a coalizão-iguaria Lula-Chuchu?
Referências bibliográficas
[1];][2] SINGER, A.Os sentidos do lulismo:reforma gradual e pacto conservador. São Paulo.Companhia das letras,2012.