Há governantes novos e parlamentos renovados e uma avenida aberta para mudanças. Há uma imprensa assanhada pela competição digital, ameaçada em sua sobrevivência e contestada em sua ética. Há muitos passados e muitos futuros possíveis, a depender do olhar. Há uma manipulação da política transformando tudo numa bolha de interesses do campo estrito do dinheiro. Um big brother assustador faz os representantes eleitos de cegos e surdos para o que importa aos representados. Caiu a diferença entre verdade e mentira.
Há otimistas, realistas e pessimistas. Há um fluxo caudaloso e veloz de eventos. Pode dar tudo certo, é uma chance. Pode ser uma tragédia. Pode ser que haja sangue, suor e lágrimas vindos de profundidades, de distâncias e em quantidades tais que assumam mais do que a condição de uma simples metáfora. E se torne real, ainda que hoje discretos silencioso e sem compartilhamento todo este sofrimento.
Escorre para a barragem a angústia de não haver no comando do destino uma única personalidade de fato comprometida com os desejos e expectativas mais comuns do povo. Não há sequer um discurso falando das causas populares, desde o combate à fome e à miséria até a melhoria do atendimento nos serviços públicos de saúde e educação, por exemplo. Sem discurso, não há utopias, não há promessas, não há compromissos, um vazio futuro é o que se desenha.
A disputa eleitoral não proporcionou o embate de ideias, projetos, modelos e propostas. Daí que não há caminhos definidos, tudo é incerteza. Como recuperar milhões de empregos? Como construir a casa própria? Como encaminhar os filhos e as filhas? Como aumentar o salário? Não há sequer o que cobrar exatamente. A eleição foi uma onda enorme de rejeitos emocionais, de grosseria e violência (in) contidas.
Sobre o passado foi jogada uma nuvem escura e ameaçadora. E diz-se que o passado ameaça voltar. Qual passado ameaça voltar? O passado não é único, o passado tem data, tem rosto, tem registros, pode ser medido e avaliado. Em algum lugar do passado foi gostoso viver. Em algum lugar do passado houve respeito sincero e esperança justificada. Da mesma maneira há lugares do passado que são indesejados. A qual lugar do passado se referem? E que nuvem tão densa é essa que cobre e ameaça passado e futuro?
Há um medo latente de que a gigantesca máquina pública atropele as pessoas de quem deveria cuidar, medo de que fira as pessoas a quem deveria proteger, medo de que tire de quem tem pouco para dar a quem tem muito. Medo de que os que têm muito percam o (bom) senso, se lambuzem e destruam o (lado bom do) pouco e parco capitalismo.
A barragem é do tipo antiga, está à montante. Ela acumula dores, traumas resíduos e injustiças desde muito longe, no tempo e na geografia. Seu conteúdo tem potencial tóxico. Ninguém levanta a hipótese de que ela possa romper-se, há um silêncio difícil de adjetivar. Nuvens escuras, angústia, medo, injustiça, desemprego, incerteza e insensibilidade acumulam-se.
Olhem para a barragem…