AS MUTAÇÕES SEMÂNTICAS DA DOMINAÇÃO

“Uma mentira contada mil vezes, torna-se uma verdade” 

Joseph Goebbels 

Observo que se exercita ao longo dos tempos uma proposital e oportunista ressignificação das palavras em benefício da dominação cultural (e, hoje, capitalista na essência mais recôndita).  

A palavra democracia, por exemplo, que em Athenas significava a decisão de descentralização do poder personalíssimo de um governante e seu poder social vertical para sua diluição entre os “demos”, uma elçite de cidadãos escravistas, passou a ser considerada, posteriormente, como “governo do povo”, numa tradução tão apressada quanto capiciosa.  

Então, democracia passou a servir como sinônimo de tudo que é engodo de soberania de vontade popular capaz de legitimar o arbítrio legal. Os militares de 1964 deram um golpe de Estado em nome de uma hipotética “democracia”;  

– Donald Trump, condenado como criminoso e ainda pendente de julgamento em vários processos criminais, e mesmo sendo um notório narcisista, imperialista xenófobo, bilionário megalomaníaco, racista no estilo dos supremacistas estadunidenses mais agressivos e recalcitrantes, e prostituto de beldades compradas com a dinheiro farto de seus lucros sonegados, vai assumir dia 20 de janeiro próximo, em nome da democracia, a Presidência do país de maior PIB do mundo (27% do total), mesmo sendo um golpista comprovado pela invasão do Capitólio em Washington por seus correligionários que agora serão por ele anistiados (mesmo com cinco mortes); 

– Vladimir Putin, um plutocrata imperialista corrupto que privatizou as empresas russas para bilionários de seu país, há mais de vinte anos governa em nome da democracia e com mão de ferro assassina, o país que em 1917 fez a revolução bolchevique de orientação marxista-leninista destronando os czares feudais; 

E por aí vai…   

A palavra trabalho passou a ser sinônimo de qualquer esforço físico de produção, e não uma categoria especificamente capitalista.  

Assim, um agricultor de um assentamento do MST que planta feijão para a subsistência de sua família, e consome esse mesmo feijão sem levá-lo ao mercado, sua atividade de agricultor fora do mercado e considerado, equivocadamente, como trabalho, numa confusão semântica que identifica o trabalho produtor de valor na mesma categoria de uma atividade física que não produz valor.     

Nas escolas se prende que o trabalho é fator de honra. Olavo Bilac em conhecida poesia de sua lavra intitulada “O Trabalho” que comumente é ministrada aos alunos do ensino fundamental, enaltece o trabalho como fator de dignidade humana. Desde quando o trabalho, onde o capital extrai mais-valia e explora o trabalhador é fator de honra?  

Tal conceito confunde a atividade laboral humana ontológica, que é a-histórica, de produção de bens de consumo e serviços, com a categoria capitalista capital, que é histórica e que agora está sendo prescindida em maior parte pelas máquinas tecnológica usadas na produção de bens e serviços, causando desemprego estrutural que impossibilita o homem são de obter o seu próprio sustento.  

Acaso o trabalhador desempregado, como os milhões que vagam como pedintes nas grandes filas de empregos que se formam a cada anúncio, perderam aa sua dignidade por não encontrarem mais sequer o emprego que os explora?  

O nazismo hitlerista, que tinha no seu nome (Partido Nacional-Socialista dos trabalhadores da Alemanha) endeusou o trabalho a ponto de usar na enrada de Auschwitz o dístico “O Trabalho liberta”.  

A direita positiva o negativo e inverte os conceitos desde os bancos escolares, que é onde se formam os conceitos morais e éticos do certo e do errado para toda uma vida. 

Mas também a esquerda incorreu e incorre neste erro crasso, ao incensar, como se verificou nas bandeiras da Rússia revolucionária, a foice e o martelo como signos do trabalho a serem exaltados como fator de emancipação humana ao invés de denunciá-lo como categoria capitalista a ser superada.  

Um equívoco conceitual histórico (e não apenas semântico) que revela a incompreensão sobre o significado da primeira célula de construção do valor, o trabalho abstrato, que vai construir o capital tão combatido pela própria esquerda.  

escambo é outra palavra que sofreu alteração do seu significado semântico desde a sua origem.  

A antiga troca de excedentes entre comunidades que partilhavam entre seus membros as suas produções coletivas era o escamo primitivo que se operava pela simples doação sem mensuração de valor como mercadoria que não existia e nem se conhecia.  

Os índios que receberam os portugueses nas praias da Bahia deram ouro como presente e receberam dos lusitanos espelhos com os quais ficaram maravilhados. Este é um bom exemplo do escambo sem quantificação de valor, mas que infelizmente escondia o espírito do saque colonizador que se queria implantar diante da ingenuidade hospitaleira autóctone.  

Com o fim paulatino do sistema de partilha entre as comunidades, foi adotado o sistema de trocas de bens de consumo tendo como critério de mensuração nas trocas o tempo gasto da fabricação de cada um desses bens de consumo.  

Assim nascia a ideia de valor, que nada mais é do que um quantitativo numérico de tempo de esforço físico pessoal gasto na produção desses bens de consumo e serviços. Uma abstração maliciosa de poder criada para quantificar o tempo gasto na produção de cada produto que privilegiaria quem mais produzisse pessoalmente ou por outrem. É dai que se deu o primeiro passo no sentido da escravização do ser humano.  

Junto com o valor de uso de cada bem de consumo, nascia, também e concomitantemente, a mercadoria com seu valor de troca, na qual estava embutido, implicitamente, o tempo-valor do esforço físico escravo, inicialmente sem remuneração e tratado como animal de carga e, obviamente, o senso de poder absolutista disso derivado.  

Cada mercadoria valeria um quantum determinado pelo tempo-valor nela coagulado, hipostasiado, como critério de mensuração para as trocas. Nascia, também, o mercado, e o homem mercadoria, porque um não existe sem 

o outro, numa interação simbiótica resultante do sisrtem de exploração recém-implantado. 

O sistema de trocas de mercadorias necessitou, indispensavelmente, de uma mercadoria que servisse de equivalente geral, ou seja, que fosse capaz de comprar todas aos outras e se viabilizar o fluxo das trocas. Para tanto se elegeu, incialmente, uma mercadoria padrão para, posteriormente, se inventar o dinheiro como representação convencionada do valor, mais fácil de se manusear.  

É por isso que o dinheiro não é apenas um ingênuo instrumento que se manuseia para uma medição de espaço físico como uma fita métrica, ou como uma caneta que serve para se escrever, mas ele é a encarnação numérica da abstração valor, instituída como forma de se quantificar o tempo-trabalho-mercadoria capaz de comprar todas as outras, e mais que isso, passivo de acumulação abstrata ilimitada (como o é umas conta bancária de valor em dinheiro que se agrega ou subtrai, hoje, por um aplicativo de celular). 

O dinheiro viabilizou a escravidão moderna, abstratamente criada para a configuração do poder concreto, material, mas que, por suas contradições internas irresolúveis, está a se autodestruir como forma, porque não há mal que dure para sempre, mas com a perigosa ameaça de destruir a humanidade como espécie. 

A questão da manipulação do sentido semântico das palavras é instrumento de colonização a ser revolucionariamente decolonizado.  

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