“O capitalismo não é outra coisa senão a incessante “valorização do valor”, aparecendo como o fim-em-si de transformar dinheiro em mais dinheiro.”
Robert Kurz
Após a análise dos pensamentos de três economistas em artigo anterior (Nelson Barbosa, Elena Landau e Hélio Beltrão), assisti e ouvi os argumentos do economista Affonso Celso Pastore, ex-Presidente do Banco Central à época do governo militar (1983 a 1985), que parece será o conselheiro ou futuro ocupante de outro cargo da linha de frente na área da economia do candidatíssimo ex-juiz Sérgio Moro, caso este venha a ser eleito.
O economista Affonso Celso Pastore se alinha ao pensamento dos economistas que podem ser classificados como keynesianos moderados, ou seja, quer um Estado liberal quando a economia nacional vai bem, e intervencionista quando a economia vai mal, e mantendo empresas estatais que considera estratégicas para um país com as nossas características.
Forma-se, assim, o esboço econômico de uma candidatura de direita nacionalista, bem ao estilo do que ocorreu nos últimos anos dos governos militares (de Geisel a Figueiredo) como alternativa às candidaturas de esquerda, e em contraponto ao governo atual, que está sendo abandonado por seus antes entusiasmados e embandeirados adeptos verde-amarelos patrióticos.
Affonso Celso Pastore representa mais do mesmo, ou seja, pugna por reformas institucionais de base num país elitista, que tem apenas um único e dominante partido político ideológica e fisiologicamente definido: o Centrão (síntese eleitoreira das dezenas de partidos sem linhas programáticas autênticas), com parlamentares que se elegem por diversos partidos dentro de uma conveniência eleitoral claramente influenciada pelo poder econômico e coronelismo dos bolsões de pobreza do Brasil profundo.
Na pergunta que lhe fizeram sobre a relação do futuro governo com o Centrão, ele fugiu da pergunta e falou sobre o gerenciamento da economia dos seus sonhos, sem abordar esta questão crucial que é a dependência de todos os governos ao Centrão, que é quem mantém as rédeas da governabilidade sob o tacão de todos os interesses elitistas (corporativos, empresariais dos três setores da economia, politiqueiros populistas, corruptivos do dinheiro dito público, etc.).
Na verdade, as candidaturas que desejam se firmar como sendo uma terceira via alternativa ao Boçalnaro, o ignaro, e ao populismo conciliador com as elites empresariais e políticas do Lula, somente representam mais do mesmo.
O que é certo é que qualquer governante que se eleja vai enfrentar as seguintes questões intransponíveis num capitalismo moribundo:
a) um país com dívida pública crescente (hoje calculada em torno de 84% do PIB, ou PIBinho) sobre a qual incidem juros altos num mundo marcado pelo crescimento do processo inflacionário (que é o maior confisco de salários sob qualquer critério que se possa avaliar, e que incide sobre uma brutal queda mundial de rendas salariais)
b) receita fiscal incompatível com as rubricas do orçamento público, que por lei são automaticamente crescentes (como a questão dos direitos e salários dos servidores públicos federais, direitos previdenciários, direitos trabalhistas, etc.);
c) exigências ficais incompatíveis como as regras do capitalismo selvagem que se opera no cenário mundial, e num país com uma carga tributária confusa, ineficiente e cara;
d) exportador de commodities sem valor agregado, o que representa grande volume físico e baixo valor econômico (alimentamos o mundo e nosso povo passa fome, obrigado a recolher ossos descartados; e extraímos o ferro que vai ser manipulado e vendido a nós mesmos como manufaturados de alto valor);
e) depressão econômica mundial que atinge as nossas exportações e retira daqui todo o capital de investimento que em data recente por aqui aparecia;
f) queda no turismo industrial internacional, graças ao alto índice de criminalidade e violência urbana existentes nas cidades vitrines do lazer turístico;
g) imposição da autofágica e escravista lógica capitalista mundial que se baseia no trinômio da produção de mercadorias: alta produtividade; baixos custos de produção e baixa carga fiscal;
e) obediência do Poder Executivo aos demais poderes, naquilo que estes últimos têm influência da definição de custos das contas estatais, sem levar em conta a capacidade econômica e responsabilidade do erário público de provê-los.
Conclusão: o capitalismo, relação social mediada pela forma valor atinge o ponto de limite existencial econômico e ingovernabilidade política republicana, razão pela qual todas as vias políticas convergem para um mesmo ponto: salvar o Estado, guardião das regras sociais capitalistas decadentes e opressoras.
Que a direita, do alto da sua tradicional insensibilidade social, queira apresentar velhas fórmulas políticas e econômicas como novas, e capazes de reverter o quadro de depressão renitente, ou adiar o final catastrófico, é compreensível, ainda que o processo dialético histórico caminhe em sentido contrário aos seus interesses prenunciando o colapso.
Mas por que a esquerda, presumivelmente anticapitalista, aceita jogar um jogo que é desfavorável aos assalariados, e assume a responsabilidade de governar um Estado decrépito politicamente e economicamente, e de salvar o capitalismo, ou seja, salvar aquilo que critica?
Por mera impotência postulatória doutrinária e/ou revolucionária?
Será que é porque o sistema democrático burguês lhe oferece nacos de poder político e suas correspondentes receitas (verbas eleitorais partidárias) e cargos remunerados (sem falar na abjeção que é praticar a corrupção com o dinheiro público ou conciliar com quem a pratica)?
Ou será que a intenção é apenas minimizar o sofrimento social majoritário promovido pelo capital, com uma ação política de defesa de suprimento parcial de demandas sociais, impossíveis de serem atendidas satisfatoriamente?
Por que a esquerda e seus candidatos aceitam o juramento constitucional de obediência aos cânones jurídicos capitalistas, numa aquiescência prévia às regras de um jogo que doutrinariamente afirmam contrariar?
Será por mera estratégia de sabotagem por dentro, cujos mecanismos de controle institucionais previamente estabelecidos impossibilitam uma ruptura sistêmica pela institucionalidade e que terminam quase sempre (há exceções históricas, de governantes e parlamentares expulsos pelo sistema como anticorpos indesejados quando ousam contrariar a ordem que os elegeu, casos de Allende e Mariguella) por domesticar qualquer revolucionário que tome gosto pelo poder burguês?
Por que, administrar a falência Estatal capitalista e desejar tão ardentemente a retomada do desenvolvimento econômico, impossível de ser obtido nas atuais circunstâncias de limite interno e externo de expansão sem a qual o capital definha e morre?
Afinal, o que é mesmo ser anticapitalista?
Será que é possível um sociedade não mediada pelo dinheiro? Será que o dinheiro, mercadoria especial, a única que não tem valor de uso intrínseco, é algo ontológico à existência humana? O que diriam os indígenas brasileiros disso há 521 anos?
Atenção senhores candidatos:
– qualquer que seja o candidato eleito ele vai obedecer à ditatorial lógica administrativa política submissa ao capital;
– vai sofrer o desgaste de curto prazo (como está a ocorrer com Boçalnaro, o ignaro), ou de longo prazo, e ter que enfrentar o rejeição pública decorrente da decepção e frustração popular de não realização de mais uma quimera de salvação da pátria;
– via beijar a mão do Centrão, o maior partido político brasileiro, síntese de tudo que representa a democracia burguesa, sob pena de ser defenestrado do poder político governamental;
– e por tudo isto que NÃO VOTO!