Nos idos de 1968, Paris transformou-se, desde Nanterre, em uma praça de guerra.
Os paralelepípedos do boulevard Saint-Michel, no Quartier Latin, de minerais inertes tornaram-se apetrechos de guerra. E poderosos, quando direcionados contra vitrinas indefesas. Vi-os arrancados, largados sobre o “pavé”, cansados da retórica retrô dos estudantes que pediam “la fin de l’ université” e “jouissez sans limites”, neste caso, goze sem limites, dois intentos impossíveis de serem realizados.
Por razões óbvias. A universidade pela sua elevada condição de auto-defesa. A segunda, por ser a maior utopia dos humanos: gozar em todos os níveis e posições…
Voltemos, contudo, às pedras do boulevard.
Sartre editava um jornal cujo nome fora tomado de empréstimo do jornal de Marat: “La Cause du Peuple”. E o distribuía pelas fábricas. O Quartier Latin era uma alternativa revolucionária perfeita.
Pois bem, lá estava Sartre a compartilhar a sua folha, quando um aguerrido contingente policial resolveu dar uma geral nos estudantes e em alguns professores de filosifia. Menos em Sartre, hors concours da inteligência francesa.
Sartre sentiu a pancada: como assim ele não seria preso? Não levaria uma bordoada fascista no juízo exposto ao sol parisiense?
Do pensamento à ação, Sartre encarou o comandante do contingentes e o interpelou com a sua autoridade revolucionária:
“ — O que o senhor tem contra mim que não me prende e toma os meus jornais ?”
O velho cabo de guerra encarou Sartre e respondeu-lhe:
“ — Apenas cumpro ordens Monsieur Sartre!”
Ninguém poderia prender Sartre. Na França, a inteligência goza, desde Voltaire, de imunidades absolutas, ainda que muitos intelectuais e herejes tenham perdido a cabeça na Place de la Concorde, em um cesto da guilhotina…