A mídia brasileira, nestes anos dominados pelos extremismos sem causa certa, é a mostra de uma entidade ambígua.
Em um quadro institucional de características empresariais modernas, ela assemelha-se, entretanto, a um aparelho solidário, um “coletivo” na versão que lhe foi dada pela esquerda, no Brasil. Uma redução bem desenhada do modelo “soviete” bolchevique de uso largo espectro. Lênin chamava este desvio da governabilidade de “governo duplo”, sob controle do “partido”.
Organizados como “consórcios”, assumem as características de uma frente comum, aparelho de no qual improvisam a sua versão dos acontecimentos e a ideia que deles fazem e modelam. Um empresa ágil, enfim, dotada de notável faro capitalista para os negócios mais atraentes e de rigorosa e apurada disciplina doutrinário-política para a atuação da militância.
O controle das empresas midiáticas situam-se politicamente acima dos sindicatos ou os absorvem. E com a sua força e a sabida conivência dos donos, firmam a opinião e fixam o tom doutrinário e ideológico das classes dirigentes, por simples cooptação, agilizada por um poderoso marketing.
Recorrendo a esta ambiguidade, convencem os leitores e a sua audiência e abrem os veios das verbas públicas que irrigam a sua “independência”…
Exceções à parte, que sempre há os que divergem da regra e da esperteza da maioria, a credibilidade do jornalismo construído na mídia nunca alcançou níveis tão baixos quanto agora. Aqui e alhures. As vozes dissonantes que sobrevivem à margem da opinião compartilhada pela “grande imprensa” carecem de força e influência para enfrentar o ônus dos procedimentos legais que as penalizam e desmonetizam e as privam dos direitos constitucionais da livre manifestação da opinião.
O que sobra fora deste círculo caucasiano do silêncio não favorece, reconheçamos, o
o papel da mídia como veículo da circulação dos fatos e dos requisitos da fidedignidade da opinião. As redes sociais não encontraram, até agora, como espaço virtual alternativo, terreno firme para o compartilhamento sereno e isento dos fatos políticos e da sua honesta avaliação.
A questão posta em relevo aqui não esgota, certamente, a complexidade do problema da informação e a deformação que reduz e compromete os meios de comunicação e rouba-lhe a legitimidade do seu papel na sociedade.
As novas tecnologias concederam à imagem e à voz o que faltavam à imprensa escrita, e a instantaneidade fixou a visão da realidade como se fosse real-verdadeira e indiscutível. Dotadas de equipamentos sofisticados, em constante aperfeiçoamento, a televisão e as formas múltiplas de transmissão da imagem e do som pelos espaços da “web” constituem
investimento de elevado custo e exigem de empresas e empresários capitais vultuosos que só se encontram disponíveis em conglomerados de grande porte — ou nas baias do Estado, por onde circulam em indulgente capilaridade os chamados “recursos públicos”.
Estas circunstâncias fatais e anti-republicanas concorrem, segundo indicam alguns especialistas, para a formação de grupos poderosos de opinião na mídia, cuja versão brasileira ocorreu com a criação de um grande “consórcio” cujas vertentes estratégicas servem-se de algumas convergências politico-partidárias, realizadas em nome da defesa da democracia, para a defesa patriótica do que se tornou lugar comum chamar de “Estado democrático de direito”.
A mídia haverá, com certeza, de exercitar-se neste governo e nos seguintes, sejam de direita ou esquerda, no recurso a estratégias de convencimento para persuadir a sua audiência que fala a verdade e apresenta os fatos com fidedignidade…
Desponta diante de nós uma exigente carta de novos compromissos. Entre tantos e inumeráveis itens, não há porque esquecer uma ampla revisão dos poderes constitucionais e do papel das instituições. E, sem dúvida, um acerto de contas inadiável com o vazio da nossa consciência política e do que pretendemos fazer entender e significar por democracia e dela fazermos uso como instrumento de um ambicioso projeto civilizatório.
A mídia e a opinião que é por ela veiculada exercem papel privilegiado na formação da consciência política que anima a cidadania e o respeito pelas imposições da convivência em uma sociedade democrática. Impõe-se que este espaço abandonado, transformado em uma imensa praça dos passos perdidos, seja preenchido pelos brasileiros, em uma nação pacífica, liberta de temores e das ameaças da autocracia.